Folha de S. Paulo


crítica

Tensão irresistível de 'Deserto', sobre imigração, é virtude rara

DESERTO (bom)
(DESIERTO)
DIREÇÃO Jonás Cuarón
ELENCO Gael García Bernal, Jeffrey Dean Morgan, Alondra Hidalgo
PRODUÇÃO México, 2015, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta (2)
Veja salas e horários de exibição

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O segundo longa de Jonás Cuarón traz a marca de nascimento de um cineasta ambicioso. Após se arriscar com uma narrativa construída a partir de fotos fixas em "Ano Unha" (2007) e de testar as armas da escrita quase sem diálogos em "Gravidade" (2013), obra-prima de Alfonso, seu pai, Cuarón dedica-se a um exercício de puro cinema.

"Deserto" ser visto como uma variação, em condições igualmente inóspitas, do filme de sobrevivência que é "Gravidade". Outra referência evidente é "Encurralado", longa com que um então pouco conhecido Steven Spielberg chamou a atenção em 1971.

Cuarón segue as pegadas como alguém que experimenta o que pode o cinema, que se fortalece antes de tentar algo maior, o que não quer dizer que simplesmente imita.

Reduzido a seu esqueleto narrativo, "Deserto" segue dois personagens que se enfrentam num combate de vida ou morte. De um lado, está Moises (Gael García Bernal), jovem mexicano que tenta entrar clandestinamente nos EUA. Do outro, vemos Sam (Jeffrey Dean Morgan), representante do ideário supremacista que crê num país livre de imigrantes e, por isso, os persegue para matar.

Se as fragilidades do filme aparecem nesse duelo maniqueísta e em sua mensagem pronta, é porque Cuarón não os aprofunda, preferindo atrair nosso interesse para o uso que faz da ação.

Quase não há, por exemplo, desenvolvimento de personagens. Eles são apresentados em meio a uma situação e imediatamente atirados num jogo político e estratégico, do qual acompanhamos movimentos, posicionamentos e relações de força.

Esse esvaziamento das motivações serve para Cuarón abordar os dois fundamentos do cinema, espaço e tempo.

O primeiro é lugar e também campo no qual os inimigos se enxergam e se perdem de vista, avançam e somem. O segundo é progressão constante, mas que tem um ritmo de acelerações e esperas.

A partir desses eixos elementares e de suas possibilidades, "Deserto" oferece experiência de tensão a que não se resiste, um mergulho durante o qual não olhamos o relógio, algo cada vez mais raro no cinema.

Veja trailer de 'Deserto'


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