Folha de S. Paulo


Mulheres protagonizam batalhas poéticas nas ruas no Slam das Minas

Todo terceiro domingo do mês, uma turma de mulheres se reúne para declamar poesia no Slam das Minas. A final da edição 2017 aconteceu em outubro, no espaço cultural Mundo Pensante, no Bexiga. Recebidas pelo grito de guerra "slam das minas, monas e monstras!", mulheres trataram do que as inquietava.

A vencedora Ingrid Martins causou furor com as rimas: "Deixa de bico torto quando vê meus bico solto/ Para de ser tão afoito se olhar demais pra eles tu se torna homem morto/ Bico que marca a camiseta é natural, então, disfarça essa careta/ Não há mal para eu deixar livre minhas teta, não preciso de aval".

Chamadas de slams, as batalhas de poesia ganharam espaço no país na última década a partir de São Paulo.

Os confrontos poéticos, que já acontecem em ao menos 13 Estados, se tornaram tema do filme "Slam: Voz de Levante". Produzido durante sete anos pela atriz e poeta Roberta Estrela D'Alva junto com Tatiana Lohmann, o documentário levou os prêmios de melhor direção de documentário e especial do júri no Festival do Rio neste ano.

Um dos mais movimentados é o Slam Resistência, idealizado por Del Chaves, em 2014. "Vi na poesia uma forma de transmutar raiva em energia criativa", ele diz.

A capital paulista abriga mais de 40 disputas, muitas com peculiaridades. O Slam do Corpo, por exemplo, é voltado para surdos e ouvintes –as poesias são declamadas na língua de sinais, ou para ela traduzidas. Já no Menor Slam do Mundo, o foco são poemas de até dez segundos.

HISTÓRIA

As disputas poéticas em ambiente urbano têm seu nascimento atrelado a Marc Kelly Smith. Operário da construção civil e poeta, criou o "Uptown Poetry Slam", junto com o grupo Chicago Poetry Ensemble, em um bar de jazz em Chicago, nos EUA, em 1986.

No Brasil as primeiras batalhas apareceram em 2008, segundo Estrela D'Alva, que havia conhecido o slam durante viagem a Nova York.

Na volta ao Brasil, ela procurou um evento afim, mas não encontrou. Foi então que, junto com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, resolveu criar o Zap! Slam (Zona Autônoma da Palavra).

Via de regra, as batalhas seguem regras mais ou menos padronizadas em todo o mundo: os versos precisam ser autorais, cada poeta tem até três minutos para declamar e não pode haver acompanhamento musical, figurino ou cenário.

Disputas costumam acontecer na rua, mas podem se dar em lugares fechados como centros culturais. Qualquer pessoa que tenha um poema autoral pode participar.

Um júri é definido na hora, entre a plateia. A cada poesia declamada, notas são atribuídas. No final, é definido um vencedor da rodada –o prêmio geralmente são livros.

TEMAS

As temáticas, normalmente sociais, são diversas, mas alguns temas são mais recorrentes: racismo, política, crimes contra negros, identidade de gênero e diversidade sexual.

Para a poeta Mariana Felix, que começou a batalhar no Slam da Guilhermina, a motivação é a possibilidade de representatividade nas disputas. "É imaginar que posso contar histórias com que outras mulheres vão se identificar."

Já para Luz Ribeiro, idealizadora do Slam das Minas e representante brasileira na última copa do mundo de poesia falada, na França em maio deste ano, o slam "possibilita que pessoas ditas 'marginais' expressem o que pensam".

Roberta Estrela D'Alva ressalta também a construção de um fórum de debates.

"O slam é a nova ágora [praça central das antigas cidades gregas, onde aconteciam assembleias do povo], onde política e poética se encontram."

Para a atriz e poeta, a expansão das batalhas pode ser creditada à necessidade de as pessoas falarem e serem ouvidas, ao encontro de crises de representatividade nos ambientes políticos tradicionais. "Se você tiver um poema, pode declamá-lo sem precisar passar por uma iniciação."


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