Folha de S. Paulo


Em 'viagem' de Dostoiévski, Cibele Forjaz retoma adaptação de 'O Idiota'

Lenise Pinheiro/Folhapress
Cena do filme
Cias. Livre e Mundana em cena de 'Dostoiévski-Trip', montagem de Cibele Forjaz para peça de Sorókin

Tolstói é muito pesado, uma viagem louca. Já Faulkner cai bem para uns, para outros, nem tanto. Flaubert vai bem com gim Tanqueray.

Em "Dostoiévski-Trip", o dramaturgo russo Vladimir Sorókin cria uma "viagem" por meio de nomes renomados da literatura. Um elogio aos clássicos, mas também uma crítica à cultura de massa –há referências amargas, por exemplo, a Stephen King.

A peça, que acaba de ganhar encenação de Cibele Forjaz, parte de um grupo de viciados que se reúne para comprar os entorpecentes de que tanto necessitam.

Acabam experimentando uma "droga" nova, um tal de Dostoiévski, cujos efeitos nem o próprio traficante sabe bem lhes esclarecer.

A viagem leva a todos a uma cena do romance "O Idiota": o jantar em que a bela Nastássia Filíppovna deve anunciar seu casamento, e os convidados entram num jogo de verdades e mentiras.

De certa forma, é um retorno de Forjaz a "O Idiota - Uma Novela Teatral", adaptação que fez há sete anos do romance –a sugestão de "Dostoiévski-Trip" foi feita àquela época por Arlete Cavaliere, que estava então traduzindo a peça de Sorókin para a editora 34 (104 págs., R$ 38).

É também um reencontro entre as companhias Livre e Mundana, que trabalharam juntas no primeiro espetáculo e que se definem como trupes "irmãs" (com artistas que são parceiros há 30 anos).

Luah Guimarãez, por exemplo, volta ao papel de Nastássia, e Aury Porto retoma seu ingênuo príncipe Míchkin (o idiota do título).

Para Luah, Sorókin reflete na peça sobre "uma espécie de crise da cultura". "Ele coloca esses escritores renomados para serem consumidos como drogas." É como se, no Brasil, continua Aury, "víssemos transformar toda a nossa cultura musical em lixo".

MEMÓRIA

O dramaturgo coloca ainda uma terceira camada. Depois da "viagem" por Dostoiévski, os personagens retornam a si, mas em outro estado: ainda numa espécie de delírio, começam a rememorar histórias de infância, muitas delas duras, violentas.

Mas aqui o coletivo faz uma leitura própria, "uma travessia por São Paulo", comenta Forjaz. É fruto de um trabalho das duas companhias, de pesquisa de espaço público, como a recente versão da Mundana para "Na Selva das Cidades", de Bertolt Brecht, com a ocupação de diversos locais da cidade.

Em meio ao devaneio dos personagens, são projetados sobre o cenário (composto de placas de papelão) vídeos gravados no fim de julho após uma operação da prefeitura para a retirada de sem-teto debaixo do viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região central de São Paulo.

Os moradores reclamaram da truculência da Guarda Civil Metropolitana, que usou retroescavadeiras para a retirada dos barracos das cerca de 50 famílias que moravam na ocupação, que ficou conhecida como Maloca Jaceguai.

Os vídeos, que se alternam com as cenas, trazem os relatos de moradores logo após a ação. "É como se a nossa realidade invadisse a dramaturgia com imagens, é uma espécie de grito da cidade", afirma Luah. Ou, como define Forjaz: "O que a gente faz é uma droga coletiva."

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DOSTOIÉVSKI-TRIP
QUANDO sex., sáb. e seg., às 20h, dom., às 19h; até 18/12
ONDE CCBB, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651/3652
QUANTO R$ 20
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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