Folha de S. Paulo


Drama brutal, 'Loveless' mostra uma Rússia de valores corrompidos

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Cena do filme 'Loveless', de Andrey Zvyagintsev, em cartaz na Mostra de São Paulo
Cena do filme 'Loveless', de Andrey Zvyagintsev, em cartaz na Mostra de São Paulo

Uma cena resume o tom de "Loveless", filme que é provavelmente o mais pesado na programação da Mostra de SP: um menino de 12 anos chora e libera um berro lancinante enquanto seus pais se ofendem na cozinha.

Aposta da Rússia para o Oscar, o filme não é muito benquisto em seu país. Quem explica é o produtor do longa, Alexander Rodnyansky. "É que os russos são muito reativos a quaisquer críticas, acham que é influência do Ocidente", afirma.

O diretor do longa, Andrey Zvyagintsev, esquiva-se de dizer se o filme é uma crítica à sociedade de seu país: "Talvez", responde. Segundo ele, a coisa é mais metafísica do que política.

Metafísica, no caso, é a observação que ele busca dos protagonistas, vividos por Maryana Spivak e Aleksey Rozin. Seus personagens, Zhenya e Boris, viram o casamento chegar ao fim, e, no início da trama, estão na fase de ódio mútuo do começo do divórcio. O filme não explica o estopim do término; só ilustra as ofensas.

"Não me interessava olhar para as razões", afirmou o diretor à Folha, em Toronto. "A imaginação era o mais importante. Cada um pode botar a própria experiência."

As brigas são o estopim para que Alyosha (Matvey Novikov), o filho de 12 anos do casal, fuja de casa sem deixar rastro do paradeiro, e force os dois personagens a percorrer um périplo que envolverá a leniência da polícia e visitas a necrotérios.

A necessidade de união em razão da tragédia não irá reaproximar o casal. Cada um já engatou um outro casamento, e Zhenya, particularmente, tem em seu novo arranjo uma possibilidade de ascender socialmente.

Vencedor do Prêmio do Júri em Cannes, a obra tem exibição única, na noite deste sábado (28), na Mostra.

Longe de ser um filme de violência física, "Loveless" pode ser mais bem definido como um drama brutal. Enquanto tece a trama, Zvyagintsev ignora dar pistas sobre o que ocorreu a Alyosha: teria ele sido sequestrado? fugiu da cidade? O diretor não fecha nenhuma porta.

Em vez disso, ele prefere destilar, aqui e ali, um olhar agudo sobre uma Rússia de valores corrompidos. No filme, ele sugere um país sob o jugo de uma hecatombe moral que vem a reboque do apego a bens de consumo, "selfies", academia... A um individualismo desmedido.

O diretor, contudo, se esquiva de novo de comentar. "Me interessava retratar o vácuo na relação do casal."

"Loveless", diz, não contou com financiamento público. "O governo crê que se dá o dinheiro, você tem de defender o Estado", completa o produtor Rodnyansky.

De qualquer forma, após a dupla ter lançado o longa "Leviatã", em 2014, eles não eram muito queridos na terra de Putin. O filme, que concorreu ao Oscar, já fazia um retrato mordaz do país, e "dificultou as coisas", segundo o produtor do longa.

LOVELESS
(NELYUBOV)
DIREÇÃO Andrey Zvyagintsev
ELENCO Maryana Spivak, Alexey Rozin, Matvey Novikov
PRODUÇÃO Rússia, França, Bélgica, Alemanha, 2017, 14 anos
MOSTRA sáb. (28), às 21h50, no Cinearte


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