Folha de S. Paulo


Ritmo de distribuição não acompanha aumento de produções no cinema

Claudio Pedroso/Agência Foto
Nadia Destri, vice-diretora do Festival de Locarno, e Jean-Thomas Bernardini, da Imovision
Nadia Destri, vice-diretora do Festival de Locarno, e Jean-Thomas Bernardini, da Imovision

O ritmo de distribuição não acompanha o número cada vez maior de produções cinematográficas. O foco desproporcional aplicado nas etapas de realização e divulgação, em termos de políticas, incentivos e estratégias, é um problema que coloca em risco a sobrevivência de cinemas do mundo todo.

No Brasil, as ameaças se voltam para a manutenção das salas que apostam em filmes independentes estrangeiros.

Essas foram algumas das conclusões dos participantes da mesa que encerrou o segundo dia do Fórum Mostra-Folha, nesta quinta-feira (26). O evento foi promovido em parceria com a 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Para Nadia Dresti, vice-diretora artística do tradicional Festival de Locarno, a falta de visibilidade para o audiovisual não é um problema exclusivo do Brasil. Na produção europeia, são disponibilizados mais recursos para produtoras do que para distribuidoras. "Fico feliz por termos tantos festivais, mas a verdade é que eles não têm capacidade para acolher tudo o que é feito."

Como exemplo, cita o próprio festival suíço que, se antes recebia uma média anual de mil novos curtas, na última edição teve de fazer sua seleção entre mais de três mil. "Dos que não são aceitos, alguns vão para festivais com perfis diferentes do nosso, mas outros não vão a lugar algum."

No Brasil, reservas como a do Fundo Setorial do Audiovisual garantem um cenário mais promissor. É no que acredita Silvia Cruz, da Vitrine Filmes ("Corpo Elétrico" e "O Som ao Redor"), que neste ano distribuiu mais de 20 filmes, 15 deles contaram com auxílio do fundo.

"Hoje, as cópias custam menos e o marketing está mais diversificado por causa do digital. É nessa hora que a gente começa a pensar em outras opções para que o público vá ao cinema", disse ao destacar que serviços on demand são também oportunidades de visibilidade e rentabilidade para os filmes.

Um dos métodos adotados recentemente pela Vitrine é investir boa parte de seus recursos no próprio diretor. "A gente leva o diretor para debater e conversar com o público em várias cidades do país. Com isso, conseguimos um bom número de sessões cheias".

Outra ferramenta é a oferta de ingressos a preços promocionais através de parcerias com patrocinadores. "Isso não é diminuir o valor do cinema brasileiro, mas baratear para que o público assuma o risco de sair de casa".

Essa, no entanto, é uma realidade restrita no país. Para as distribuidoras que se arriscam em adquirir obras independentes vindas do estrangeiro, não há políticas de incentivo ou subsídios definidos.

"Nós pagamos os mesmos impostos, mas não temos nenhum tipo de reserva ou cotas. Se queremos exibir alguma coisa, é em exibição gratuita, por amor à arte", ironizou Ana Luiza Beraba, distribuidora da Esfera Filmes ("O Abraço da Serpente" e "Últimos Dias em Havana").

Jean-Thomas Bernardini, proprietário do Reserva Cultural e da distribuidora Imovision ("Como Nossos Pais" e "A Terra Vermelha"), endossou o protesto. "As taxas pagas para registrar um filme aqui chegam a quase US$ 3 mil por filme, seja para lançar um de menor produção em três, quatro exibições ou um 'Avatar' em mais de mil".

Para fazer do Reserva Cultural um negócio rentável, Bernardini diz que foi preciso incluir no cinema serviços extras, como restaurante e livraria.

Para Ryan Kampe, fundador da distribuidora americana Visit Films, nos Estados Unidos o entrave existe de forma inversa, ou seja, na hora de exportar as produções. "Não temos qualquer tipo de subsídio. Não existe apoio para manter seu filme no estrangeiro, não existe nada".

Das estratégias para tornar o cinema mais atrativo ao brasileiro, a diversidade social foi a grande aposta de Ana Luiza Beraba durante o debate. Em 2016, ela promoveu a exibição de cinco documentários da diretora Kátia Lund em mais de 50 comunidades do Rio de Janeiro.

A ação foi um sucesso de público. "A gente fala muito do cinema como identidade, mas para mim interessa mais o cinema como alteridade. É quando você sai da sua bolha e se depara com um mundo muito maior."


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