Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Em 'Praça Paris', relação entre duas mulheres traduz tensão social

Divulgação
Grace Passô interpreta Glória em 'Praça Paris', de Lucia Murat
Grace Passô interpreta Glória em 'Praça Paris', de Lucia Murat

PRAÇA PARIS (bom)
DIREÇÃO Lúcia Murat
ELENCO Grace Passô, Joana De Verona, Babu Santana, Alex Brasil, Digão Ribeiro
PRODUÇÃO Brasil, Portugal, Argentina, 2017
Veja salas e horários de exibição

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Os filmes da carioca Lúcia Murat abordam temas complexos, em que a questão social e o olhar feminino se misturam. "Praça Paris" faz uma aposta corajosa ao falar da crispação que envenena o cotidiano do Rio de Janeiro, discutindo a desigualdade, o racismo, a violência que esgarçam o tecido social.

A história se organiza em torno de duas mulheres de universos opostos. Uma delas é Gloria (Grace Passô, pela primeira vez num papel à altura do seu talento), negra criada no Morro da Providência, onde ainda vive. Tem uma vida difícil e carrega o trauma de ter sido estuprada pelo pai na infância. O irmão é traficante e, mesmo preso, continua pesando na vida dela.

A outra é a portuguesa Camila (Joana de Verona), psicóloga que veio fazer pós-graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde Glória trabalha como ascensorista. A avó de Camila viveu na cidade e teve um destino funesto e misterioso, mas infelizmente essa subtrama não é levada adiante.

Sabemos quase nada sobre Camila e muito sobre Glória, pois esta faz terapia com a psicóloga na universidade. A relação entre elas se transforma à medida que a história avança e expõe com crueza o fosso existente entre ambas —mostrado como produto inexorável das inserções sociais radicalmente diferentes das duas, uma visão um tanto mecanicista.

A cada encontro com a terapeuta, Glória avança e recua, fala e cala. Em determinado momento, Camila se perde. Sente-se ameaçada pela outra e não sabe lidar com a situação. Essa ameaça talvez não seja bem isso, mas Camila sucumbe à diferença, ao medo, aos códigos culturais que desconhece, à paranoia que hoje assalta a classe média.

Essa assimetria entre Glória e Camila contamina a própria maneira de contar a história. Aqui e ali a narrativa parece respaldar o ponto de vista de Camila, a branca de classe média. Isso só mostra o quanto é difícil falar sobre essas questões incômodas.

A distância entre ambas acaba sendo reiterada até pela diferença de desempenho entre as duas atrizes. Enquanto Grace Passô amplia a envergadura do seu personagem com uma expressão facial dura e intensa —valorizada pelos primeiros planos de seu rosto—, Joana de Verona não tem muitos recursos para compor a angústia de Camila.

O suspense sempre está presente e cresce na parte final, uma contribuição de Raphael Montes, jovem escritor de romances policiais, que assina o roteiro ao lado de Murat.

Em que pese certo esquematismo, "Praça Paris" acerta na construção da personagem de Glória e, mais do que isso, tem o mérito de perturbar, de colocar em discussão um conjunto de problemas de suma importância.

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Assista ao trailer de 'Praça Paris'

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