Folha de S. Paulo


Tecnologia borra fronteiras entre cinema, TV e artes plásticas

A frequente interação e as fronteiras cada vez mais borradas entre o que é produção para o cinema, para a TV e para instalações artísticas dominaram o debate que abriu o 1º Fórum Mostra-Folha, nesta quarta (25), no Itaú Cultural.

O debate foi mediado por Úrsula Passos, editora-assistente de Cultura da Folha. O fórum, parceria do jornal com a Mostra de Cinema de São Paulo, continua até sexta (27).

O cineasta Marcelo Gomes, de "Cinema, Aspirinas e Urubus" e "Joaquim", é um exemplo vivo da citada interação.

Divulgação
Renata de Almeida, diretora da Mostra, abre o 1º Fórum Mostra-Folha
Renata de Almeida, diretora da Mostra, abre o 1º Fórum Mostra-Folha

"Eu e o Karim Aïnouz [diretor de "Praia do Futuro"] já fizemos uma instalação para a Bienal de São Paulo, também tem artistas plásticos fazendo filmes."

O curador de artes visuais Roberto Cruz disse ser difícil ir, hoje, a uma exposição que não contenha alguma forma de audiovisual. "A tecnologia tornou tudo muito fácil de operar, permitiu que cada pessoa controle toda a cadeia produtiva do cinema, até a pós-produção, e os artistas trouxeram isso para os ateliês."

A evolução tecnológica foi eixo inescapável da discussão, já que todas as novas formas de fazer e ver cinema passam por dispositivos eletrônicos.

Eduardo Conejo, gerente de inovação da Samsung, mencionou como exemplo os aparelhos para exibição de realidade virtual, que a Mostra usa para apresentar os curtas-metragens desse formato no Cinesesc.

O cineasta alemão Henk Handloegten se mostrou entusiasmado com as possibilidades abertas por filmes em 360 graus. "Imagina ir a uma manifestação na avenida Paulista, gravar e mostrar aos filhos como era estar lá. Eu vivi a queda do Muro de Berlim e queria muito que meus filhos vissem como foi aquilo."

Ao mesmo tempo, Handloegten disse ter ressalvas pelo fato de ser uma experiência muito individual. "Ver as pessoas assistindo a isso sozinhas, com aparelhos na cabeça, é uma imagem triste. Devia ser criada uma solução para tornar a experiência coletiva."

Segundo Conejo, a realidade virtual é uma tecnologia em fase inicial de desenvolvimento, e a interação é o próximo passo. "O lugar aonde vamos chegar com isso ainda está sendo construído. Quando o VR estiver estabelecido, vai ser criada uma oportunidade gigantesca para novos paradigmas de conteúdo e criação."

TELEVISÃO

Marcelo Gomes disse ser essencial a aproximação da indústria da tecnologia e da televisão com o cinema.

"São elas que vão nos ajudar a promover o avanço tecnológico que a gente precisa para desenvolver a linguagem", afirmou. "Os artistas têm até que estar junto no laboratório, para discutir para onde vão os projetos."

Cruz concordou: "É papel do artista desautomatizar o uso da tecnologia, dar a ela usos diferentes do que a indústria daria".

A produtora de televisão Maria Angela de Jesus destacou as possibilidades de experimentação abertas pelos canais de TV e streaming. Basta ver, segundo ela, o aumento em qualidade e a evolução do forma de filmar nos últimos 20 anos, desde "Família Soprano", da HBO.

"Como a TV é uma produção mais rápida, que não passa pela distribuição, como o cinema, isso acaba sendo benéfico para novas ideias em termos de formato e linguagem."

CINEMA NO CELULAR

Outra questão levantada foi sobre como manter a experiência cinematográfica em tempos em que se assiste a séries e filmes pelo computador e até pelo celular no metrô.

Maria Angela disse ver a vantagem da democratização do acesso. "O cinema chega a mais pessoas. Com o streaming, você tem a possibilidade de ver clássicos, filmes de toda parte do mundo. Antes, dependíamos de cineclubes, do Corujão da Globo para ver Hitchcock."

Marcelo Gomes contemporizou. "Conheço jovens cineastas que viram mais filmes do Godard que eu, porque hoje é mais fácil, eles assistem a tudo na tela do computador. Você sente isso nos filmes que eles fazem, nos detalhes da direção de arte, e isso repercute na produção contemporânea."

Para Eduardo Conejo, da Samsung, o "ritual" que é ir ao cinema não vai acabar. "Mas a tecnologia permite que mais pessoas, quando não têm disponibilidade para isso, tenham acesso ao mesmo conteúdo."

"O dilema é como educar essa nova geração para que ela entenda que há várias formas diferentes de ver a produção audiovisual", afirmou Gomes.


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