Folha de S. Paulo


Pablo Neruda não morreu de câncer, afirmam peritos após análise do corpo

Laurent Rebours-21-out.-1971/Associated Press
Pablo Neruda durante entrevista em Paris após ter ganhado o prêmio Nobel de Literatura, em 1971
Pablo Neruda durante entrevista em Paris após ter ganhado o prêmio Nobel de Literatura, em 1971

Um grupo de 16 especialistas internacionais convocados pela Justiça chilena concluiu, nesta sexta-feira (20), que o poeta e prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda não morreu devido a um câncer, como consta em sua certidão de óbito, pouco depois do golpe militar de 1973.

"É rotundamente e 100% certo que a certidão [de óbito] não reflete a realidade do falecimento", afirmou o médico Aurelio Luna em coletiva de imprensa.

O Nobel de Literatura morreu em uma clínica da capital chilena em 23 de setembro de 1973, 12 dias depois do golpe de estado de Augusto Pinochet.

Segundo a versão oficial, o escritor e político comunista morreu devido ao agravamento do câncer de próstata que sofria quando tudo estava pronto para facilitar sua saída ao exílio no México.

O simpósio com especialistas do Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Espanha e Chile buscou confirmar ou excluir a hipótese de que existiu uma intoxicação voluntária e deliberada para matar o autor mediante a administração de germes ou toxinas bacterianas, explicaram os peritos na segunda-feira (16) na abertura do painel.

"Sem dúvida vamos ter mais clareza sobre a sua morte, vai mudar a história em relação à morte de Neruda", afirmou mais cedo à AFP Rodolfo Reyes, advogado e sobrinho de um dos poetas mais populares do mundo.

DETERIORAÇÃO DE PROVAS

Apesar das dúvidas geradas por sua morte repentina, foi necessário esperar quatro décadas para que a versão do assassinato ganhasse força. Isso aconteceu em 2011, com a publicação de declarações do motorista e assistente pessoal de Neruda, Manuel Araya, que afirmou que o poeta piorou depois que lhe aplicaram uma injeção no abdome.

O juiz do caso, Mario Carroza, que nesta sexta-feira (20) recebeu o relatório dos peritos, é o encarregado de avaliar os passos a serem seguidos na investigação, que ordenou em abril de 2013 uma nova exumação do corpo do escritor, para elucidar se o regime de Pinochet, que provocou mais de 3.200 mortes, eliminou também a vida do escritor.

O desafio dos cientistas foi utilizar os avanços da ciência para encontrar respostas, mas com a passagem do tempo a tarefa se transformou em uma missão quase impossível.

"É preciso ser muito prudente e pensar que estamos analisando amostras degradadas com uma antiguidade significativa, e que isso sempre vai significar uma limitação às possíveis conclusões obtidas", advertiu à AFP Aurelio Luna Maldonado, especialista da Universidade de Murcia, durante a abertura do painel.

SEM CERTEZAS

As primeiras perícias, em novembro de 2013, concluíram que, devido à passagem dos anos, não era possível estabelecer a presença de algum veneno. Mas o juiz prosseguiu com o caso e ampliou as perícias, que após uma nova exumação encontraram um estafilococo dourado (Staphylococcus aureus) nos restos, uma bactéria altamente infecciosa e letal. Esta descoberta continuou sendo central na investigação.

Outras declarações alimentaram a versão do assassinato. Pessoas próximas ao poeta afirmaram que o opositor chileno estava bem antes de receber a suposta injeção no hospital em Santiago, aonde foi trasladado a partir do seu refúgio em Isla Negra, em frente à costa do Oceano Pacífico.

Outro detalhe é que a clínica Santa María, onde Neruda faleceu, carrega outra morte duvidosa, a do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, que teria sido envenenado por agentes da ditadura em 1982.

Neruda, que ocupou um assento no Congresso chileno, era uma das máximas referências do Partido Comunista no Chile, e se esperava que ele seria, a partir do seu exílio no México, um articulador importante da resistência à ditadura (1973-1990).


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