Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Voz de Nathalie Stutzmann age no cerne dos sentidos

Isabela Guasco/Divulgação
A cantora e regente francesa Nathalie Stutzmann
A cantora e regente francesa Nathalie Stutzmann

Certos artistas parecem diminuir a distância que separa cada um de nós das coisas, da natureza, dos semelhantes. Nathalie Stutzmann é assim: ela age no cerne dos sentidos, e o faz através de uma radical introspecção.

A cantora e regente francesa, que é artista associada da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) nas temporadas de 2016 a 2018, sola nesta semana a "Rapsódia para Contralto, Coro Masculino e Orquestra", de Brahms (1833-97), e rege obras de Dvorák (1841-1904) nos próximos dias 26, 27 e 28.

O programa desta semana abre com a "Abertura Trágica", também de Brahms, seguida pelas três seções da "Rapsódia": uma introdução puramente instrumental, um trecho mais longo dominado pela voz solista e, ao final, a entrada inesperada do coro.

"Mas, ali ao lado, quem está?", começa a voz. Brahms não usa nem o início nem o final do poema de Goethe (1749-1832), sua escolha recai sobre as três estrofes centrais.

Ao optar pela sugestão mais radical da partitura, Stutzmann sustenta com clareza um "lá bemol" grave. Ela controla imensa gama de timbres, como na belíssima emissão do "sol" longo, mudando sutilmente de colorido (conforme a harmonia das cordas se altera) no decorrer de dois compassos inteiros.

O texto entoado pela melodia grave fala da transformação do amor em ódio, do bálsamo em veneno. Até que, sobre o pizzicatos dos violoncelos, o coro entra em dó maior, e o poema menciona "um som capaz de chegar aos ouvidos do Pai do Amor".

Na quinta-feira (19), Stutzmann voltou ao palco três vezes: as primeiras palmas foram, claro, para ela mesma; na segunda vez, todos se voltaram para a orquestra, para os Coros da Osesp e para a regente Marin Alsop.

Na terceira volta, contudo, ninguém parecia saber exatamente o que continuava a aplaudir entusiasticamente: talvez fosse Johannes Brahms, ele mesmo, pronto a renascer enquanto haja gente a tocar, cantar e escutar a sua música.

Depois do intervalo, Marin Alsop regeu com imensa categoria o grandioso poema sinfônico "Uma Vida de Herói", de Richard Strauss (1864-1949).

Madeiras perfeitas no segundo movimento; solos impecáveis e expressivos do spalla Emmanuele Baldini; efeito preciso no diálogo entre os metais dentro e fora do palco (ouvidos ao longe); presença marcante de harpas e contrabaixos.

Mas, no fim –e depois de tanto som– era ainda a voz de Stutzmann que permanecia ressoando, guardada na memória.

Nos próxima semana, ela regerá a orquestra tendo o violoncelista Antonio Meneses como solista. Antes de cada concerto, Meneses fará um recital solo (R$ 97), a cada dia com duas diferentes "Suítes" de Bach, perfazendo a integral das seis ao longo dos três dias.

*

NATHALIE STUTZMANN E OSESP
QUANDO sáb. (21) às 16h30 (Brahms com Marin Alsop); qui. (26), sex. (27) às 21h e sáb (28) às 16h30 (Dvorák com Antonio Meneses)
ONDE Sala São Paulo, Praça Júlio Prestes, 16, tel. (11) 3367-9500
QUANTO de R$ 46 a R$ 213
CLASSIFICAÇÃO livre


Endereço da página:

Links no texto: