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Em documentário, Ai Weiwei reforça presença ativa em crise de refugiados

Igor Dalbone/Folhapress
Ai Weiwei, que veio a SP lançar 'Human Flow', em debate promovido pela Mostra e pela Folha
Ai Weiwei, que veio a SP lançar 'Human Flow', em debate promovido pela Mostra e pela Folha

A decisão do cineasta e artista chinês Ai Weiwei de aparecer como um personagem em seu documentário sobre a crise de refugiados tinha um objetivo claro.

Segundo ele, a produção, além de uma jornada pessoal, foi uma maneira de dizer para um público mais amplo que, para compreender aquilo por que os refugiados estão passando, não adianta apenas acompanhar o noticiário.

"Talvez essa seja a grande mensagem do filme, que, para entender o que está acontecendo, é preciso participar de forma mais ativa desse processo", afirmou Weiwei.

O artista falou nesta quinta-feira (19) em debate promovido pela Folha após a exibição de seu filme "Human Flow - Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir" na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Também participaram da conversa o curador Marcello Dantas e o repórter especial da Folha Mario Cesar Carvalho.

Weiwei contou que uma das principais motivações para fazer o filme foi o fato de ter passado a infância e adolescência em um campo de exilados na Ásia, após a prisão de seu pai, o poeta Ai Qing, pelo governo chinês.

"No período, tive um entendimento profundo de quem são essas pessoas colocadas em condições extremamente difíceis, procurando um lugar seguro e sem saber se haverá um futuro para seus filhos", disse.

As filmagens começaram depois que Weiwei conseguiu um trabalho como professor em Berlim, em 2015. Na Alemanha, que recebeu mais de um milhão de refugiados desde o início da crise, ele entrou em um contato mais próximo com pessoas que haviam se mudado para fugir da guerra e das condições precárias de vida em seus países de origem.

De lá, ele seguiu para a ilha de Lesbos, na Grécia, onde pôde acompanhar a chegada por barco de alguns dos grupos de refugiados. Para filmar seu projeto, viajou ainda a lugares como Turquia, Líbano, Paquistão, Myanmar, Faixa de Gaza, entre outros –o filme mostra acontecimentos em um total de 23 países.

Divulgação
Cena de 'Human Flow - Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir', de Ai Weiwei
Cena de 'Human Flow - Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir', de Ai Weiwei

Segundo Dantas, que organiza uma exposição com Weiwei no Brasil, o principal mérito do longa é "não buscar um único culpado" para a situação e aceitar que o acúmulo de problemas, como mudanças do clima, desastres naturais e a conjuntura política e econômica no mundo, têm papel importante no rumo dos acontecimentos.

O curador disse que é necessário ter maior empatia pelos refugiados e que há hipocrisia na atitude de alguns de condenar as imigrações, já que o ato de se deslocar em busca de melhores condições de vida é intrínseco à história da humanidade.

"Os refugiados somos todos nós, porque nossos ancestrais também tiveram que se locomover de um lugar para outro para sobreviver", afirmou.

Ele também questionou o cineasta sobre o fato de o filme não mostrar fluxos de migração nacionais. Segundo Dantas, estes teriam, dentro de países como Brasil e China, consequências semelhantes às da crise de refugiados, como tensões raciais, religiosas e sociais.

Weiwei disse que a maior dificuldade para que esse aspecto fosse mostrado seria produzir o filme na China, onde não conseguiria recursos financeiros nem apoio para as filmagens necessárias.

O artista, no entanto, concordou com a visão de Dantas e lembrou que parte dos mais de 100 milhões de chineses que migraram do campo para a cidade nos últimos anos vive hoje em condições de trabalho próximas às da escravidão.

O cineasta disse hoje enxergar um futuro ainda mais difícil para os refugiados, com a recente ascensão de movimentos ultraconservadores pelo mundo e a redução do número de pessoas acolhidas na Europa e Estados Unidos.

"É uma política muito ruim, que na prática representa a falta de um futuro para essas pessoas e uma redução das possibilidades para que vivam uma vida mais digna."

O evento também registrou protestos de espectadores contra a Folha. Participantes gritaram "fora, Folha" e "Folha golpista" durante as falas do jornalista Mario Cesar Carvalho no início do debate.


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