Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Gloria Perez recupera audiência do gênero em sua melhor novela

A FORÇA DO QUERER (muito bom)

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Podem dizer que novela é subproduto cultural, a TV emburrece ou a Globo faz lavagem cerebral. Nada disso se aplica à prática de uma concentração de audiência tida como extinta que não acontecia, no volume alcançado por "A Força do Querer", desde 2012.

No universo de tantas telas e conexões, parecia não ser mais o caso de um produto de 173 capítulos ultrapassar a média de 36 pontos (dados da Grande São Paulo até o episódio 171, onde a cifra representa 2,5 milhões de domicílios).

Dona de hits como "O Clone" e "Caminho das Índias", Gloria Perez encerra hoje o seu melhor folhetim.

Há um conjunto de personagens bem construídos, a arte de alinhavar seis núcleos na linha de frente, com mais de seis figuras com status de protagonistas, e ao menos três bandeiras sociais que se revezaram em cena: tráfico de drogas, vício em jogo, e transexualidade, que marca "A Força do Querer" como referência de gênero no gênero.

Em vez de priorizar um tema, a autora carregou todos os imbróglios ao mesmo tempo, pincelando outras causas no meio do caminho, como sereia, profecias indígenas, dilemas profissionais. Era um risco a correr, mas também a chance de queimar cartuchos à vontade, sem medo de faltar história para o dia seguinte.

A maestria foi a capacidade de puxar todos os temas por algum romance mal resolvido, camuflando as questões mais "pesadas" por meio do discurso passional.

Outro fator positivo diz respeito, e diz muito, à direção de Rogério Gomes, o Papinha. Houve uma supervalorização do texto, no melhor sentido para um veículo que se sustenta na imagem, com seleção precisa de trilha sonora incidental e efeitos capazes de segurar a plateia. O desfecho de cada capítulo, com áudio ecoando o último diálogo do dia, honrou o suspense encomendado pela autora no papel.

No conjunto de uma obra que coleciona mais acertos que erros, saltou aos olhos a performance irregular do elenco. Não é o caso de crucificar Fiuk, mas de quem escalou o ator sem lhe dar a devida noção da tarefa a cumprir.

A mesma direção que tanta diferença fez no produto final deixou o elenco à vontade, mas havia quem precisasse de uma atenção extra.

As boas atuações de Dan Stulbach, Lilia Cabral, Juliana Paes, Elizangela, Débora Falabella, Tonico Pereira, Cláudia Mello e Carol Duarte só reforçaram as fraquezas alheias. Marco Pigossi surpreendeu, assim como Humberto Martins, o marido afetuoso travestido de ogro.

Escrita por uma mulher, foi uma história para celebrar a mulher, mas não era o caso de reforçar com o contraste de homens tão frágeis. Faz parte do show carregar as tintas do conflito para valorizar o drama.


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