Folha de S. Paulo


Murilo Benício estreia no cinema com processo da peça 'O Beijo no Asfalto'

Em sua estreia na direção de cinema, Murilo Benício não foi atrás de uma história, mas de seu processo. Encontrou seu objeto de pesquisa em "O Beijo no Asfalto", peça de Nelson Rodrigues.

No filme homônimo, ele segue a cartilha de produções como "Ricardo 3º - Um Ensaio", de Al Pacino, mesclando a narrativa original a uma discussão sobre a obra.

Seu "Beijo" começa com o elenco numa mesa de leitura e debate do texto, coordenada pelo diretor de teatro Amir Haddad e com participação de Fernanda Montenegro –foi a atriz quem pediu, insistindo durante oito meses, que o dramaturgo escrevesse a peça para a sua companhia, o Teatro dos Sete, em 1962.

Da mesa, Benício transita para a história de Alair (Lázaro Ramos), rapaz que presencia um atropelamento e, a pedido do moribundo, dá um beijo na vítima agonizante.

O fato é estampado na primeira página do jornal como "pederastia em via pública", e Alair passa a ser perseguido e incriminado. Num desenrolar kafkiano, até seu sogro (Stênio Garcia), que testemunhou o acidente, e a mulher (Débora Falabella) começam a duvidar das intenções dele.

Nelson se baseou num caso real, o atropelamento de Pereira Rego, repórter do "Globo", no largo da Carioca, centro do Rio. O jornalista teria pedido um último beijo à moça que fora socorrê-lo. Mas o dramaturgo, polemista que era, trocou o gênero do socorrista.

"É uma história surreal, mas muito real", afirma Benício, que compara a trama à atual onda de linchamentos virtuais. "Eles julgam uma pessoa em público, criminalizam ela. Se ela é culpada ou não, isso fica fora de questão."

O diretor filmou "Beijo" durante 11 dias de março de 2015. Fora três locações, gravou tudo no teatro de uma escola na Tijuca, zona norte do Rio ("entre as 17h e as 5h, quando não tinha barulho na instituição").

Todo o cenário foi colocado sobre o palco, e Benício por vezes fecha a cena, ressaltando na pele dos atores o contraste da fotografia de Walter Carvalho, noutras faz transparecer as estruturas de câmera, camarinhas e coxia, como se o espectador assistisse a tudo dos bastidores.

Na mesa de leitura, ouve-se não apenas trechos da peça, mas ainda comentários sobre a obra. Haddad, por exemplo, destaca como Nelson resume intenções em poucos gestos. "Ele não trabalhar com a ilusão, mas com a revelação."

Fernanda relembra o processo da primeira montagem. Diz que Amado Ribeiro, o repórter que aumenta os fatos sobre Alair, "existiu, assistia aos nossos ensaios e gritava [da plateia] que ele 'era pior do que está aí' [na peça]".

*

O BEIJO NO ASFALTO
DIREÇÃO Murilo Benício
ELENCO Fernanda Montenegro, Stênio Garcia, Débora Falabella, Lázaro Ramos
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 12 anos
MOSTRA sex. (20), às 21h30, no Espaço Itaú - Augusta; dom. (22), às 14h, no IMS; seg. (23), às 15h45, no Reserva Cultural


Endereço da página:

Links no texto: