Folha de S. Paulo


Ator de 'Filhos da Pátria' diz preferir fazer escravo a 'juiz sem graça'

Zo Guimaraes/Folhapress
O ator Sérgio Loroza, em um condomínio de classe média no Recreio dos Bandeirantes, no Rio
O ator Sérgio Loroza, em um condomínio de classe média no Recreio dos Bandeirantes, no Rio

Se for pra fazer "um juiz sem graça", Serjão Loroza prefere ficar com o escravo.

Ele não recusa a opinião da militância; diz que entende a cobrança para que atores negros evitem interpretar empregadas e porteiros.

Mas dispara em defesa de seu papel na série "Filhos da Pátria": Domingos não é o escravo que passa ao fundo como elemento decorativo -embora, sim, os protagonistas sejam brancos (Fernanda Torres e Alexandre Nero).

Na comédia roteirizada por Bruno Mazzeo, que a Globo exibe nas noites de terça até dezembro, ele exerce um comentário político específico sobre o fim da escravatura.

Tendo a possibilidade de comprar a própria alforria, o personagem não vê sentido nessa comercialização. "Como assim, vou comprar minha liberdade, se já nasci livre? Vou comprar algo que já era para ser meu por direito?", ilustra o intérprete.

O ator carioca defende ampliar o leque sem extinguir possibilidades. "Sempre vou respeitar os críticos [ativistas negros]. No entanto, tenho aqui outras premissas. Para nós, artistas, os desafios são os personagens que façam as pessoas pensarem."

Desde que estreou na TV, a coadjuvação é tônica em sua carreira. Contracenou com Ana Paula Arósio em "Hilda Furacão" (Globo, 1998), mas havia outros 300 atores em cena, diz. Depois vieram trabalhos em "Chiquinha Gonzaga", "Kubanacan" e outros títulos.

Sua popularidade foi projetada com Figueirinha, agente de domésticas do seriado "A Diarista" (2005), meio cafajeste, meio gente boa.

Foi fora da Globo que o protagonismo apareceu. No ano passado, ele passou a comandar o programa "Rua para Toda Gula", que explora a diversidade da gastronomia ao ar livre, no canal TLC (agora, apenas reprises vão ao ar).

Nesta terça (17), às 21h,ele estreia seu programa on-line de entrevistas, o "Loroza Talk Soul" conversando com o cantor Wilson Simoninha, no Facebook. Um novo programa será disponibilizado semanalmente também no YouTube.

Loroza também está colocando o pé pela primeira vez na dramaturgia. Escreve atualmente uma peça em que assumirá Tio Barnabé, personagem de Monteiro Lobato em "Sítio do Picapau Amarelo".

"Sou preto, velho e gordo, o próprio Barnabé", avalia. O ator já teve 147 kg. Agora está com 185 kg. "Meu top foi 211 kg. Mas, como venho percebendo que não existem velhos gordos, porque ou eles morrem ou eles emagrecem... Estou evitando de dar uma morridinha, né, 'cumpadi'", diz, sobre os cuidados que passou a ter com a saúde.

Para Loroza, Barnabé é tão secundário entre os personagens de Lobato "que às vezes parece que não é importante na trama". O ponto de vista dele como observador das situações (e exímio contador de lenda) é o que o interessa. Um sábio que não estudou.

A escolha traz traços da trajetória de Loroza.

Ele subiu ao palco pela primeira vez na adolescência, com um grupo formado na igreja do Santo Sepulcro, em Madureira, sem nunca ter ido ao teatro antes. O papel era dramático: o bispo que condena Joana D'Arc à fogueira. Mas, quando apareceu em cena, todo mundo riu. Cravou-se que a comédia o escolheu.

CARTOLA

Filho de uma auxiliar de enfermagem e de um sargento da Marinha, arriscou então a vida de artista mesmo sem ter formação. "Só fui estudar depois de começar", conta, enumerando passagens por peças de teatro, novelas, bandas. "Mas a música não é anterior às bolinhas e pauzinhos que a gente vê no pentagrama?", questiona.

Quando descobriu que o dó maior que fazia no violão podia ser reproduzido uma oitava acima, disse para si mesmo: 'Caralho, olha o que eu inventei, brother'. Depois lhe contaram que era algo básico. "Quando a gente não tem conhecimento, conta com a criatividade", diz.

Ele faz questão, porém, de firmar que, ao enaltecer o potencial de uma natureza criativa, não está fazendo apologia à ignorância. "Entre o conhecimento e a criatividade, porra... Melhor as duas, né?", ri. "O conhecimento acrescenta, e a criatividade pode tirar coisas da cartola."

Foi no gogó que ele conquistou seu primeiro emprego na Globo. "Nas apresentações de corais, a Zona Sul me conheceu", conta. "Depois, vieram as participações em bandas como Sindicato Soul, que tinha o Max Viana". O diretor Wolf Maya viu um show e o chamou para fazer uma peça e, depois, para a Globo.

Hoje, ele toca baixo e canta na Loroza Brass Band. Além de participar na banda, também integra a US Madureira, que embala pop e soul com percussão e voz.

Enquanto recebe a reportagem no térreo de um condomínio de classe média no Recreio dos Bandeirantes, onde mantém um apartamento só para lazer de sua família, é abordado por uma mulher de biquíni de oncinha e óculos de aros dourados.

"Estava te ouvindo do primeiro andar e pensei: 'Conheço essa voz'." "Eu falo alto, né"? respondeu o ator.


Endereço da página: