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opinião

Não há risco de censura ou análise de conteúdo na Lei Rouanet

Pedro Ladeira/Folhapress
Sérgio Sá Leitão é ministro da Cultura do governo Michel Temer (PMDB)
Sérgio Sá Leitão é ministro da Cultura do governo Michel Temer (PMDB)

A nova instrução normativa da Lei Rouanet, que se encontra em elaboração no Ministério da Cultura, não tem e não terá qualquer artigo que extrapole o disposto na própria Lei Rouanet ou se oponha a direitos e garantias previstos na Constituição e em outras leis atualmente em vigor no país. E não poderia ser diferente.

Como gestor público, tenho a obrigação de seguir a Constituição e as leis brasileiras; de zelar pelo seu cumprimento; e de me ater ao escopo da pasta que comando. Além disso, os que acompanham a minha trajetória sabem do meu firme compromisso com a democracia, o Estado de direito, a coisa pública e a liberdade.

Por isso, asseguro categoricamente: não há risco de censura; e não haverá análise subjetiva de conteúdo. A Constituição é clara ao apontar que não pode haver censura. E a Lei Rouanet também é clara ao determinar que não pode haver juízo prévio sobre o conteúdo dos projetos. São normas superiores ao que determina uma IN.

A análise de conteúdo pelo poder público, mesmo feita com a melhor das intenções, pode dar margem a dirigismo cultural e censura, que são próprios de ditaduras, não de democracias. É mais prudente não correr esse risco. A liberdade é um valor fundamental, não apenas na cultura. E não significa ausência de responsabilidade.

Houve recentemente a divulgação do que supostamente seria o artigo 27 da nova IN. Não procede. Na versão que estamos trabalhando, o artigo 27 tem outra redação. O que foi divulgado não passou por mim e não é um documento oficial do MinC. Infelizmente, houve quem acreditasse na mentira, a despeito do desmentido enfático.

A instrução normativa é um ato infralegal, da alçada do Poder Executivo, que tem por objetivo regulamentar uma lei e torná-la exequível. No caso da IN da Rouanet, a pasta trabalha com a meta de desburocratizar, simplificar e dinamizar o incentivo à cultura, e assim ampliar o alcance, dar mais transparência e melhorar os resultados.

A IN atual foi editada em março e recebeu críticas de artistas, produtores, patrocinadores, parlamentares e advogados especializados. Há pontos positivos, como a nova modalidade de prestação de contas; mas há pontos negativos, que levaram à redução do número de projetos e recursos captados. Houve um clamor por mudanças.

A Lei Rouanet é o principal mecanismo de fomento à cultura no Brasil. Existe há 26 anos e apresenta uma vasta folha de serviços prestados à sociedade. Os milhares de projetos já apoiados levaram arte e cultura a milhões de cidadãos de todas as regiões; geraram dezenas de milhares de empregos; e contribuíram para o desenvolvimento do país.

Os resultados alcançados e a própria lógica do mecanismo, que traz um equilíbrio saudável entre mercado e Estado, me levaram a empreender, desde que tomei posse como ministro, uma cruzada em defesa da Lei Rouanet, em meio a ataques pouco fundamentados. Há problemas, mas são de gestão e iremos resolvê-los.

As atividades culturais e criativas respondem por 2,6% do PIB; geram cerca de 1 milhão de empregos diretos; e são impulsionadas por 200 mil empresas e instituições. A contribuição do setor ao país é muito superior ao que o poder público investe nele. A renúncia fiscal para a cultura representa apenas 0,64% do total de incentivos em nível federal.

Duas exposições recentes, realizadas com recursos oriundos da Lei Rouanet, causaram forte controvérsia. É importante dizer que os projetos atenderam às exigências da lei e da IN em vigor. Se houve descumprimento de outras leis, cabe à Justiça apontar. Não podemos vilanizar a Lei Rouanet ou o conjunto da cultura brasileira por conta disso.

Defendo que é possível e desejável harmonizar a liberdade de expressão, criação e manifestação com outros princípios constitucionais importantes, como a proteção da infância, o respeito às religiões e a igualdade perante a lei. Liberdade com responsabilidade. É por isso que defendo a ampliação do sistema de classificação indicativa para exposições.

Fui criticado por receber no MinC representantes da Frente Parlamentar Cristã, que trouxeram sugestões para a nova IN da Lei Rouanet. Vamos avaliá-las, junto com as demais contribuições recebidas. Foram centenas. É vital dialogar com todos os setores da sociedade. Estou fazendo isso. Cultura é tolerância, diversidade e conexão. Precisamos dar o exemplo.

SÉRGIO SÁ LEITÃO é ministro da Cultura do governo Michel Temer (PMDB)


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