Folha de S. Paulo


Feira de Frankfurt 2017

Margaret Atwood é indagada sobre papel do marido em sua escrita

Darren Calabrese/The Canadian Press/Associated Press
FILE - In this June 9, 2015 file photo, author Margaret Atwood poses to promote her novel,
A escritora canadense Margaret Atwood, autora da distopia "The Handmaid's Tale" (1985)

Houve alguns risos de constrangimento na entrevista coletiva que a escritora canadense Margaret Atwood deu, na manhã deste sábado (14), na Feira do Livro de Frankfurt.

Bem humorada e inteligente, ela foi questionada em dado momento sobre qual era a importância de seu marido em sua obra, e se ele era um homem "estimulante". Parte da plateia ria da pergunta.

"Essa pergunta é a cara da 'People' [revista de celebridades]! Estamos ainda falando dos robôs do sexo?", brincou a canadense, que já havia feito uma piada sobre como recebia conteúdos sexuais enviados por robôs em sua conta no Twitter.

A escritora, uma das mais aclamadas de seu país, é conhecida pelo teor feminista de sua obra e posicionamentos. Depois, ela respondeu.

"Ele sempre foi maravilhoso. Nos anos 1970, as coisas políticas que eu faziam eram as coisas políticas dele. Criamos o Sindicato dos Escritores. Ele sempre foi quem mais tinha interesses no assunto. Eu não teria feito essas coisas sozinha", disse.

"E ele é um ótimo canoísta, o que é importante para uma canadense!"

TOTALITARISMO

O Conto da Aia
Margaret Atwood
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A escritora, que esteve na cidade alemã para para receber o Prêmio da Paz, concedido por uma associação de livreiros alemães, disse ter a impressão de que o mundo vive de novo os anos 1930 –quando o nazi-fascismo ascendeu.

Atwood tem tido livros antigos redescobertos por causa de adaptações para a TV, caso de "O Conto da Aia" (Rocco), que inspirou a premiada série "The Handmaid's Tale".

No livro, escrito nos anos 1980, Atwood imagina um futuro distópico onde as poucas mulheres férteis restantes são escravizadas por uma teocracia que chegou ao poder nos EUA, para gerar filhos para o regime.

Com a série, o livro voltou às listas de mais vendidos do mundo todo.

"Parece que estamos nos anos 1930 [outra vez]. Quando escrevi "O Conto da Aia", no meio dos anos 1980, no meio da Guerra Fria, as pessoas viam os EUA como um enclave bastião da democracia", disse.

"Comecei a imaginar como seria um sistema totalitário nos EUA. E as pessoas pensavam que isso nunca poderia acontecer. Agora não dá mais para pensar assim. Por isso obras que falam de totalitarismo ficaram populares outra vez".

A canadense disse acreditar que um romance pode influenciar a sociedade –mas só indivíduo a indivíduo. Assim, o leitor poderia ler seu romance e pensar qual futuro gostaria para o mundo.

"Mesmo um romance histórico é um romance de seu tempo. Mesmo um romance sobre o futuro é um romance sobre seu próprio tempo, porque até hoje ninguém foi ao futuro e voltou. Ao menos que nós saibamos", disse ela, fazendo a plateia rir.

Ela lembrou ainda que vivia em Berlim dividida pelo muro quando começou a escrever o romance –as pessoas, disse ela, achavam que aquele cenário jamais mudaria. Então, o muro acabou derrubado.

"Nos anos 1990, as pessoas escreviam coisas estranhas como 'o fim da história'", disse ela, em referência ao ensaio famoso do economista Francis Fukuyama. "Mas a história não acabou. Estamos em um daqueles jogos de criança em que, quando você mexe uma peça, todas as outras se movem em reação. Mas eu não posso prever o futuro."

Atwood todos os anos –e agora mais ainda com o sucesso da série– está na lista de prováveis vencedores do Nobel. Até agora, saiu só para sua compatriota, Alice Munro. Outra das grandes autoras do país, Mavis Gallant, morreu sem ganhar o prêmio.

"O Nobel não é uma preocupação minha", disse a autora, que a todo tempo fazia os jornalistas presentes na entrevista coletiva rirem com suas piadas.

Um pouco contrariada pela pergunta, ela ainda comentou o caso do produtor de cinema Harvey Weinstein, acusado de cometer assédio sexual contra jovens atrizes durante décadas –e denunciado em uma longa reportagem do "New York Times".

"Essas situações de jovens exploradas por homens poderosos acontece há muito tempo. E eles se livram disso com dinheiro e poder. E não só os executivos de cinema, mas homens que costumam ser identificados como de esquerda. Mas a queda é grande para esse tipo de pessoa", afirmou.


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