Folha de S. Paulo


Sob o calor de polêmicas, filme sobre pedofilia estreia no Festival do Rio

Marina Calderon/R2/Festival do Rio
Carolina Jabor, Malu Galli, Daniel de Oliveira no Festival do Rio
Carolina Jabor, Malu Galli, Daniel de Oliveira no Festival do Rio

Curioso o momento em que "Aos Teus Olhos" vem a lume: o novo filme da diretora carioca Carolina Jabor revolve em torno de uma acusação de pedofilia, e estreou neste sábado (7), no Festival do Rio, sob o calor das polêmicas envolvendo exposições no país.

Daniel de Oliveira faz Rubens, afetuoso professor de natação das crianças de um clube. Um de seus alunos é o retraído Alex (Luiz Felipe Melo), de 7 anos, filho de um pai competitivo (Marco Ricca) e de uma mãe impetuosa (Stella Rabelo).

É ela quem recorre à fúria das redes sociais para acusar Rubens de ter beijado a boca de seu filho. O roteiro tem o cuidado de nunca revelar se o tal beijo foi mesmo dado e nem se Alex de fato contou isso a sua mãe. Há elementos que o desabonam e há elementos que o incriminam.

Mas é outra a preocupação do filme, inspirado em livro do catalão Josep Maria Miró, que no Brasil ganha ecos da sanha justiceira que acometeu o país pós-Lava Jato.

Diretora de "Boa Sorte", Carolina Jabor se detém aqui na tormenta inquisitória de que Rubens é alvo, e, particularmente, na relação dele com a diretora do clube (Malu Galli), assolada pelo linchamento virtual. Um grupo de pais no Whatsapp, aliás, ganha contornos de caixa de Pandora no longa.

Antes de apresentar seu filme na mostra, a diretora fez referência breve os recentes de ataques a museus brasileiros por grupos conservadores. "Censura, não", disse, e foi aplaudida.

LOBISOMEM PAULISTANO

"Aos Teus Olhos" compete pelo prêmio Redentor com "As Boas Maneiras", terror dirigido pela dupla paulista Juliana Rojas e Marco Dutra e que mantém um diálogo involuntário com "A Forma da Água", filme do mexicano Guillermo del Toro que abriu o Festival do Rio: ambos tratam da relação entre uma mulher deslocada e um monstro.

Assim como nas outras obras de Rojas e Dutra, caso de "Trabalhar Cansa" (2011), os elementos do gênero do horror em "As Boas Maneiras" são misturados a um agudo olhar social.

O longa começa, aliás, remetendo às obras do atual realismo brasileiro: Isabél Zuaa (de "Joaquim") faz Clara, babá contratada por Ana (Marjorie Estiano), filha grávida de um fazendeiro. Clara logo se verá obrigada a acumular também as funções de empregada doméstica.

Mas os chutes na barriga de Ana doem mais do que o normal, seu apetite por carne é incrivelmente voraz e, nas noites de lua cheia, ela cruza a cidade, sonâmbula. Depois da primeira metade do filme, quando o bebê nasce, a trama abraça com mais força a história de lobisomem.

Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno, na Suíça, "As Boas Maneiras" traz para o universo paulistano referências dos filmes de monstro produzidos pela Universal nos anos 1940.

Embora não seja um filme cheio de sustos, uma de suas cenas com um gato inocente fez a atriz Betty Faria, que estava na plateia da sessão, pular da cadeira e gritar.

O jornalista viajou a convite do Festival do Rio.


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