Folha de S. Paulo


Obras são acusadas de blasfêmia, pedofilia e racismo; veja controvérsias

A polêmica em torno da apresentação de "La Bête" no MAM paulista, em que uma criança tocou um artista nu durante uma performance, se junta a uma lista de controvérsias nas artes cênicas e visuais, que debatem questões como pedofilia, religião e racismo. Relembre dez casos recentes:

"La Bête" (setembro de 2017)
A performance realizada durante a abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, na terça-feira (26), foi acusada de incitação à pedofilia. Em "La Bête", o corpo nu do coreógrafo carioca Wagner Schwartz poderia ser tocado pelo público. A performance evoca um "Bicho", obra manipulável da artista Lygia Clark (1920-1988). Na ocasião, uma criança que estava entre os espectadores interagiu com o artista, tocando em sua perna e em sua mão. Os organizadores afirmaram que a criança estava acompanhada de sua mãe, que a sala da apresentação estava sinalizada sobre o conteúdo de nudez e que "o trabalho não tem conteúdo erótico".

"Pedofilia" (setembro de 2017)
A Polícia Civil de Campo Grande (MS) apreendeu um quadro que integrava exposição realizada no Marco (Museu de Arte Contemporânea) do Mato Grosso do Sul após um grupo de deputados estaduais registrar um boletim de ocorrência contra a exposição. "Pedofilia", da artista plástica Alessandra Cunha, integrava a mostra "Cadafalso", da mesma artista, com outras 31 obras. O quadro traz a figura de uma menina vestida de saia e blusa, ao centro, e duas silhuetas de homens nus, sem contato com a criança, que aparece cercada no que seria um quarto fechado. Ao fundo, um olho derramando uma lágrima. À esquerda, escrita de trás para frente, foi pintada a frase: "O machismo mata violenta humilha". Segundo os organizadores da exposição, o quadro é uma crítica à exploração sexual de crianças, e não apologia. Depois da acusação, a classificação indicativa da mostra passou para 18 anos (e um aviso foi colocado na entrada).

"O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" (setembro de 2017)
A peça, que recria a história de Jesus como uma transexual, teve uma sessão no Sesc Jundiaí cancelada por determinação da Justiça. Autora do monólogo, a trans inglesa Jo Clifford escreveu o texto como forma de lidar com sua religião quando decidiu mudar de sexo em 2006, aos 56 anos. O espetáculo estreou no Filo - Festival Internacional de Londrina, em agosto de 2016, e teve sessões no Sesc Pinheiros em outubro. A atriz e travesti santista Renata Carvalho, que interpreta Jesus Cristo na peça, diz que houve protestos contra a peça durante a semana e que foi ela informada sobre a liminar uma hora e meia antes de começar o espetáculo. A decisão do juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1ª Vara Cível da cidade, considerou o espetáculo de "mau gosto" e entendeu que figuras religiosas não podem ser "expostas ao ridículo". O Sesc recorreu da decisão.

"Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira" (setembro de 2017)
A exposição, realizada desde 15 de agosto no Santander Cultural, em Porto Alegre, foi cancelada em 10 de setembro após protestos em redes sociais. A mostra, com curadoria de Gaudêncio Fidelis, ficaria em cartaz até 8 de outubro, mas o espaço cultural cedeu às pressões. A seleção contava com 270 obras que tratavam de questões de gênero e diferença. Os trabalhos, em diferentes formatos, abordam a temática sexual de formas distintas, por vezes abstratas, noutras mais explícitas. São assinados por 85 artistas, como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Ligia Clark, Yuri Firmesa e Leonilson. Os protestos acusam a exposição de blasfêmia a símbolos religiosos e de, em alguns casos, pedofilia e zoofilia. O MBL (Movimento Brasil Livre) é um dos grupos que engrossaram as críticas.

Roger Lerina/Folhapress
Obra de Bia Leite da mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira
Obra de Bia Leite da mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira'

"DNA de DAN" (julho de 2017)
O artista e performer Maikon Kempinski foi detido pela Polícia Militar do Distrito Federal enquanto apresentava "DNA de DAN", ao lado do Museu Nacional da República. Ele foi preso sob a justificativa de "ato obsceno" e assinou um termo circunstanciado que registra infrações com menor potencial ofensivo. Na performance, o artista, nu, fica dentro de uma bolha com um líquido viscoso que vai ressecando em sua pele.

"Entrevista com Stela do Patrocínio" (julho de 2017)
Espectadores negros questionaram o fato de a atriz Georgette Fadel, que é branca, interpretar a poeta negra Stela do Patrocínio na peça, em circuito há 12 anos e que voltou ao cartaz na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Depois disso, Fadel transformou o espetáculo num debate, com artistas e o movimento negro, para repensar o formato da produção e os limites da representação de brancos sobre questões e personagens negros.

"Blitz - O Império que Nunca Dorme" (outubro de 2016)
Os intérpretes do grupo de teatro Trupe Olho da Rua apresentavam o espetáculo "Blitz - O Império que Nunca Dorme", que satiriza o poder do Estado e da mídia, quando foram interrompidos por policiais militares em Santos. Os intérpretes estavam vestindo fardas e saias que lembram as roupas da Polícia Militar paulista, e também usavam máscaras representando animais. O ator Caio Martinez Pacheco foi detido e levado ao 1º Distrito Policial de Santos. Na delegacia, foi informado de que o levaram por "desrespeito ao símbolo nacional", desacato e resistência.

"Macaquinhos" (novembro de 2015)
A performance "Macaquinhos" causou rebuliço na internet após queixas pela cena de perscrutação anal protagonizada por oito atores. A peça mostrava um grupo composto de homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro à frente. O espetáculo reestreiou em São Paulo em janeiro de 2016 e foi exibido na Alemanha em junho de 2016.

"Exhibit B" (junho de 2015)
O espetáculo do diretor sul-africano Brett Bailey seria apresentado na MIT - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e causou polêmica por seu conteúdo: "Exhibit B" remonta aos zoos humanos realizados com negros na Europa nos séculos 19 e 20; nas exibições, os espectadores passam por ambientes onde atores negros protagonizam situações que procuram, segundo o discurso do artista, abordar a opressão histórica sofrida pelos afrodescendentes. A exibição passou por 17 cidades mundo afora, desde 2010, e enfrentou protestos em Paris e em Londres, com acusações de racismo —mas, de acordo com Bailey, que é branco, trata-se de uma obra crítica ao racismo. No Brasil, também houve protestos, e a apresentação da peça na MIT foi cancelada. O festival diz, contudo, que o cancelamento foi devido a um corte de verba.

"A Mulher do Trem" (maio de 2015)
O espetáculo "A Mulher do Trem", do grupo os Fofos Encenam, teve sua sessão cancelada após ser acusada de estimular o racismo. Um evento organizado no Facebook pedia repúdio à peça, que faz uso do blackface —maquiagem de rosto preta, disseminada no século 19, que representa personagens negros. A comédia francesa é centrada em uma família de classe média. Na montagem dos Fofos (de 2002), a companhia usa a linguagem do circo-teatro, com maquiagens exageradas. Após críticas em redes sociais, o diretor da companhia, Fernando Neves, disse que não iria mais usar máscaras negras em suas peças. No lugar da sessão, foi feito um debate entre a companhia e integrantes do movimento negro.


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