Folha de S. Paulo


Ideias de otimismo e esperança dominam passarelas parisienses

Paris é uma das cidades que mais absorvem os efeitos da geopolítica em sua moda. Não apenas porque tem as grifes de maior relevância econômica, mas por ter tomado para si o papel de termômetro dos humores europeus.

Prostradas e mórbidas desde a onda de atentados iniciada em 2015, a cidade e suas marcas tomaram, nessa temporada de verão 2018, uma pílula de antidepressivo chamada Emmanuel Macron.

A propaganda otimista do novo presidente francês, que usa ternos modernos e é visto como solução para o conservadorismo na Europa, tirou de casa a classe média, que enche butiques e feiras de roupas usadas.

E também os ricos, que até o fim do verão europeu já tinham investido quase R$ 24 milhões a mais na compra de casas na Riviera Francesa em relação ao ano passado, segundo relatório da consultoria French Inside View.

Turistas formando fila na porta da Louis Vuitton, mercado imobiliário aquecido e a sombra do terrorismo estacionada no Reino Unido, tiraram o preto, o peso gótico e o militarismo da cabeça dos estilistas em seu processo criativo. Até de céticos como Rick Owens, que trocou as ideias apocalípticas das últimas coleções por "esperança".

Palavra da temporada, ela também foi usada nos bastidores por Dries Van Noten, o estilista mais intelectual do calendário parisiense, para definir sua coleção, cuja tesoura amoleceu a rigidez da alfaiataria para imprimir um jardim de flores em seda.

A Dior estampou "positive" em um dos seus looks, e a Céline, neste domingo, versou sobre o otimismo.

Esse estado de euforia é acompanhado por um noticiário favorável. Manchetes sobre como as empresas francesas estão abocanhando o mercado alemão e a ascensão de Macron diante de uma Angela Merkel "diminuída" ("The Economist"), uma referência à perda de poder da chanceler alemã no último pleito, dividem espaço com a exaltação da moda francesa.

Na capa da revista semanal do "Le Monde", a imagem de Yves Saint Laurent lembra que na terça (3) serão abertos um museu com o nome do designer e uma mostra retrospectiva com seu legado.

Desde julho, uma exposição dos 70 anos da grife Christian Dior leva multidões ao Museu de Artes Decorativas, com filas que se estendem pela enorme rue de Rivoli.

ULTRANACIONALISMO
O domingo (1) foi resumo desse espírito "ultranacionalista" -mesmo se, nesse ufanismo, há menos de integração do que de demarcação de território e de injeção de moral no orgulho das marcas, ferido pela estagnação de seus lucros até o ano passado.

No Palácio da Justiça, emblema de autoridade e força institucional, a Givenchy desfilou a primeira coleção de Clare Waight Keller.

Com intenção de trazer "a nova sensualidade", como escreveu em carta à imprensa, ela misturou o viés chique do estilo francês com base nos arquivos de Hubert de Givenchy, o criador do "vestidinho preto básico".

Seguindo essa lógica, sua estreia foi básica, quase morna, com volumes nos ombros, contraste de leveza e dureza nos cortes, conjuntos de festa rock'n roll e uma mão precisa de alfaiataria relaxada.

Ex-designer da Chloé, Keller é reconhecida pelo minimalismo, uma das correntes dessa temporada, ao qual adicionou brilhos pontuais e estampas gráficas típicas da moda que a Saint Laurent colou nos notívagos endinheirados de Paris nos últimos anos.

Ainda na pegada festeira, a L'Oréal armou em plena a Champs-Élysées uma passarela para celebrar a semana de moda. Aberto ao público, que lotou o espaço próximo ao Arco do Triunfo, o desfile promocional de penteados e maquiagem foi emoldurado pelas roupas de grifes como Balmain, Sonia Rykiel, Isabel Marant e Courréges. Mais francês, impossível.

O presidente da marca, Pierre-Emmanuel Angeloglou, disse à Folha que a ideia era mostrar "uma visão da beleza francesa e de Paris, a capital da moda". "É um momento de festejar e afirmar que acreditamos na diversidade, uma visão inclusiva da beleza."

Na passarela, a "angel" Doutzen Kroes e as atrizes Jane Fonda e Helen Mirren compuseram a seleção estrelada dessa diversidade.

Milhares de pessoas acompanhavam o desfile, ou próximos à passarela, ou pelo telão gigante ou encostadas nas grades que cercavam o lugar.

Todo o entorno foi preenchido por carros de polícia, Exército e seguranças que revistavam quem passava.

Naquela mesma hora, o sonho francês era ofuscado pela morte de duas mulheres, esfaqueadas em uma estação de trem em Marselha, a 775 quilômetros de Paris. O agressor foi morto, e Macron logo reagiu no Twitter, elogiando o "sangue frio" de sua guarda militar antiterrorista.

Entre o escapismo e a sombra da realidade, a moda francesa furou a própria bolha para esquecer um passado presente e seguir um novo caminho, que tem nome, cara e estilo definido.


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