Folha de S. Paulo


Em HQ 'Aqui', Richard McGuire narra história não linear do mundo

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Página do quadrinho 'Aqui' (2014), de Richard McGuire
Página do quadrinho "Aqui", de Richard McGuire

"Aqui"começa com uma mulher entrando em uma sala para procurar algo. É 1957. Quase 300 páginas depois, ela vai à mesa de canto pegar o livro que tinha esquecido. No intervalo, Richard McGuire conta a história do mundo.

Uma mãe tirando fotos dos filhos à medida que crescem, um dilúvio que destrói tudo em 2111 e cenas do planeta ainda desabitado 3 bilhões de anos antes de Cristo.

Tudo se passa no mesmo lugar —que, dependendo da época, é um jardim, uma floresta ou um oceano. As histórias se mesclam, e fica difícil digerir tudo. Mas, diz McGuire, essa não deve ser uma preocupação para o leitor.

"Há partes que se refletem umas nas outras, não é preciso pegar tudo de uma vez. A experiência se aproxima mais de ouvir música do que de acompanhar linearmente uma história", diz à Folha.

Lançado em 2014 nos Estados Unidos, o romance gráfico (leia a crítica ) é resultado de um trabalho iniciado quando o autor decidiu participar de um curso com Art Spiegelman, primeiro autor a receber um Pulitzer por um quadrinho, "Maus".

Inspirado pelo curso, McGuire produziu em 1989 uma história de seis páginas na linha do que viria a ser o livro. Spiegelman gostou e decidiu publicá-la na revista "Raw", que tocou, entre 1980 e 1991, com Françoise Mouly.

Desde então, a ideia de expandir a história atormentou McGuire. Alguns anos mais tarde, a morte dos pais e o processo de esvaziar a casa deles fez com que a história o atingisse em cheio.

A sala, conta, é um rascunho de um dos cômodos de sua própria casa. Os acontecimentos que se entrelaçam são resultado de um ano de pesquisas em uma biblioteca pública de Nova York.

Algumas coisas, como a visita dos arqueólogos que pedem para escavar o jardim, aconteceram durante sua infância -a família é inspirada na sua, e algumas das cores vieram dos tons que o tempo deu às fotos de referência.

Grande parte das referências de McGuire vem do cinema -ele também é animador.

O autor diz ter se inspirado nos filmes de Stanley Kubrick (1928-1999). Em particular na cena de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968) em que um homem está sozinho em um quarto, onde o silêncio só é quebrado pelo ranger de uma cadeira de balanço e o som de talheres caindo no chão.

"Cada vez que ele se vira, se vê um pouco mais velho, e isso se aproximava do que eu tentava atingir. Coloquei um lembrete para mim mesmo na parede do estúdio: 'Seja épico como Kubrick', para tentar ir um pouco além do que eu achava que conseguiria."

Apesar de se apoiar no cinema, o autor se vale da possibilidade dada pelos quadrinhos de congelar o tempo.

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Em uma cena, uma árvore indica que é Natal, e um homem brinca com o bebê.

De repente, é o Natal de 1965, e então o de 1960. O gesto de amor segue ali, enquanto os anos vão e vêm sem mudanças, exceto pelo número de presentes sob a árvore.

O tempo, como já deve ter ficado claro, é o grande tema desse livro. "A ideia principal é que tudo é impermanente. Nós devemos prestar mais atenção nas coisas. Esse instante em particular nunca vai ser replicado, tudo acontece uma vez só", diz o autor.


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