Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Harold Bloom esmiúça obra de 12 compatriotas em livro

Folhapress
O crítico literário norte-americano Harold Bloom
O crítico literário norte-americano Harold Bloom

O CÂNONE CRIATIVO (ótimo)
AUTOR Harold Bloom
TRADUÇÃO Denise Bottmann
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 74,90 (616 págs.)

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"O Cânone Americano: O Espírito Criativo e a Grande Literatura" (numa bela tradução de Denise Bottmann) é a obra da pós-maturidade do crítico americano Harold Bloom, que, lucidamente octogenário, mescla investigação literária com as próprias memórias em busca de uma síntese pessoal/existencial da razão (que permite discernir entre autores e identificar os de fato grandes) com a paixão (que leva alguém a dedicar a vida à leitura de poesia e ficção).

Assim, explicitando a singularidade da grandeza literária de seu país, o que chama de "o sublime americano", ele, na sua combinação costumeira de crítica e teoria, esmiúça comparativamente a obra de seus 12 (na opinião dele) maiores compatriotas.

Toma-os de dois em dois –Walt Whitman e Herman Melville, Emerson e Emily Dickinson, Hawthorne e Henry James, Mark Twain e Robert Frost, Wallace Stevens e T. S. Eliot, William Faulkner e Hart Crane–, à maneira das "Vidas Paralelas" do historiador clássico Plutarco (ou das "Vidas para Lê-las", do cubano Cabrera Infante).

Bloom começou a carreira há mais de meio século, contrapondo-se à influência então onipresente da crítica de T. S. Eliot, e também de Ezra Pound e dos "novos críticos".

Como o conservadorismo deles nem sempre estava livre de antissemitismo, o judaísmo do crítico alimentou sua combatividade, que o levou, antes de formular suas célebres teorias, a reavaliar minuciosamente os românticos ingleses e John Milton (que Eliot e os demais haviam posto de lado). Paladino de um modernismo alternativo, ele foi em boa parte responsável pela consagração de Wallace Stevens.

Enquanto teórico, Bloom se tornou famoso por lançar mão do antagonismo que a psicanálise diz subjazer à relação pai/filho para explicar a influência de um escritor sobre outro. Muito simplificadamente, esta seria uma luta de vida ou morte pela relevância e grandeza, na qual, se o filho não "mata o pai", tampouco sobrevive, mas, se o "mata", paga um preço em termos de angústia.

O problema é que, se na família biológica a paternidade pode ser estabelecida objetivamente, a filiação literária não passa de uma metáfora útil, e são os críticos que a estabelecem, discordando frequentemente uns dos outros.

Bloom tem sido um trabalhador incansável com um número assombroso de publicações, pois, se alguns críticos, com o tempo, dizem cada vez menos sobre cada vez menos livros ou autores, ele escreve cada vez mais sobre cada vez mais, ocupando-se tanto dos monstros sagrados do passado como da prosa e poesia contemporâneas.

O Cânone Americano
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E, se as teorias que elaborou são discutíveis, o que está acima de discussão é que, por um lado, suas leituras, análises, interpretações, seu olho para detalhes nunca antes observados, sua capacidade de traçar paralelos inesperados, são sempre instigantes e, às vezes, sua crítica beira a condição de obra literária autônoma (como disse Jorge Luis Borges da filosofia); e, por outro, que tudo o que fez, ele fez movido por um amor imenso e um apetite insaciável pela literatura, que contagiam seus leitores.

Mesmo se ele não oferecesse muito mais, isso já seria razão suficiente para lê-lo.


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