Folha de S. Paulo


Provocadora parábola bíblica, 'Mãe!' divide críticos e público radicalmente

Furacões devastadores. Secas agonizantes. Crises humanitárias sem precedentes. Guerras travadas sob olhares virtuais anestesiados. A cultura do ódio em alta.

A lista de assuntos que deixam qualquer pessoa em crises de ansiedade é extensa. A maioria escolhe ignorar. Uns poucos lutam. Já o cineasta Darren Aronofsky ("Cisne Negro") passou cinco dias escrevendo "Mãe!" no seu apartamento em Nova York para absorver as frustrações.

"Estou tendo problemas para lidar com tudo que está acontecendo no mundo",diz o cineasta à Folha. "E não parece que vai diminuir. Vai aumentar ao ponto de a vida no planeta ficar insustentável."

Da "maratona febril" de dois anos atrás, como se recorda o diretor, um roteiro de 70 páginas foi concebido.

Na superfície, "Mãe!" é um pesadelo provocador sobre um casal (Javier Bardem e Jennifer Lawrence) que recebe, em sua casa isolada no campo, dois estranhos (Ed Harris e Michelle Pfeiffer) que não querem deixar o lugar.

No íntimo, o longa é uma violenta parábola bíblica –que cobre desde Adão e Eva até o Apocalipse– sob o ponto de vista da Deusa-Mãe.

O tema religioso não é novidade para Aronofsky. Ele já analisou a Torá sob o manto do suspense na sua estreia em "Pi" (1998), criou uma história de amor com base no "Gênesis" em "Fonte da Vida" (2006) e explorou elementos de fantasia no Velho Testamento em "Noé" (2014).

A religião, comenta o ateu Aronofsky, "é uma ótima fonte de histórias para o mundo, histórias que pertencem a todos". "Não me interessa o debate sobre se ou quando aconteceu; isso é o lado ruim da religião, o que causa lutas."

"Ninguém questiona se Ícaro podia voar realmente perto do sol. A moral da história é compreendida instantaneamente", completa.

Mas a compreensão do grande público e dos críticos não está servindo a "Mãe!". O filme foi vaiado em sua première mundial, no Festival de Veneza, e a estreia nos Estados Unidos foi desanimadora –fez só US$ 7,5 milhões no fim de semana e levou a pior nota possível na pesquisa entre os pagantes.

Os críticos se dividiram; ganhou cinco estrelas do inglês "The Guardian" e foi elogiado pelo "New York Times", mas também recebeu a alcunha de "pior filme do século" do crítico Rex Reed, do "New York Observer".

Aronofsky não se incomoda com o efeito provocativo.

"Mãe!" se aprofunda no horror psicológico e culmina num terceiro ato brutal que confunde e/ou choca os espectadores. O diretor tenta preparar o público distribuindo orações sobre a mãe natureza em sessões e avisos sobre o conteúdo em redes sociais.

"O filme é como um show de punk rock. As pessoas que esperam ouvir música clássica precisam ser avisadas", diz.

"Sabíamos que reações extremas viriam. Adoraria ser amado, mas, toda vez que um longa sai da zona de conforto, arranca respostas emocionais radicais de ambos os lados. Há pessoas que gostam de apanhar, outras não."

O diretor certamente não poupa seus atores, que ensaiaram por três meses antes das filmagens. Jennifer Lawrence, objeto de toda a violência, chegou a deslocar uma costela durante uma das cenas mais angustiantes do filme e diz que é o projeto "mais difícil que teve e terá na vida".

"Não vou encontrar algo que exija tanto de mim. Ou simplesmente não toparei fazer", diz à Folha. "É um longa sombrio e complicado que você vai amar ou odiar. Não há meio termo. Quem ama, assistirá novamente. Quem não entende desprezará. A gente não fez um filme para todo mundo gostar."

O jornalista RODRIGO SALEM viajou a convite da Paramount


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