Folha de S. Paulo


Análise

Apreensão de alimentos no Rock in Rio mostra anacronismo de lei

Reprodução/Facebook
Queijos da chef Roberta Sudbrack que foram barrados pela Vigilância Sanitária no Rock in Rio
Queijos da chef Roberta Sudbrack que foram barrados pela Vigilância Sanitária no Rock in Rio

Não fosse funesto inutilizar quilos e quilos de comida dentro da validade, num mundo em que nada influencia mais a história da humanidade como a fome (nas palavras do historiador Martín Caparrós), a ação da Vigilância Sanitária no Rock in Rio pode iluminar antigos entraves que envolvem o poder público e a gastronomia brasileira.

Não há ilegalidade na apreensão de queijos e embutidos no estande da chef Roberta Sudbrack.

A lei exige selos do Serviço de Inspeção Federal (SIF) para que produtos nacionais de origem animal sejam comercializados entre Estados, e os itens não dispunham de tal certificado.

O procedimento desperta, portanto, uma discussão mais profunda: estamos diante de uma legislação burocrática e desatualizada que aplica as mesmas regras higienistas severas para a grande indústria e para o pequeno produtor.

(Parênteses para um contrassenso: os alimentos, feitos por artesãos brasileiros, celebrados por uma de nossas maiores cozinheiras, apresentavam registros estaduais. A lei permite a venda só no Estado onde foram produzidos. Se não colocam em risco a saúde humana ali, por que o fariam no resto do país? É a velha história do que se passa com os queijos de leite cru, um alimento vivo que mantém particularidades e nutre um processo cultural, diferente dos industriais, padronizados e sem emoção. Pensemos.)

Vê-se, assim, um poder público que persiste em impor obstáculos legais e fere a produção artesanal agroalimentar e os modos de vida tradicionais de famílias rurais.

Ameaça, assim, não só a sobrevivência da cozinha brasileira como também o seu desenvolvimento e triunfo.

Graças à movimentação da chef e ativista Roberta Sudbrack, o caso reverberou nas redes sociais, mobilizou cozinheiros, produtores e formadores de opinião. Resta saber se o setor terá força política para mudar a lei. O resto é desperdício.


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