Folha de S. Paulo


Após 15 anos de hiato, cantora country Shania Twain volta a lançar álbum

Ryan Pfluger/The New York Times
Shania Twain, set to release her first album in 15 years, titled
Shania Twain lança álbum após pausa de 15 anos

Da última vez que Shania Twain lançou um álbum -"Up!", um disco experimental, quase country, mas nem tanto-, ela vendeu 874 mil cópias do trabalho na semana de lançamento.

Recebeu ainda um disco de platina da Recording Industry Association of America (RIAA), a associação setorial das gravadoras americanas, pelos 10 milhões de cópias que o álbum vendeu, seu terceiro disco consecutivo a atingir esse marco.

Na época, Twain era uma gigante, trabalhando em múltiplos gêneros. Vinda do country e trabalhando com seu então marido, Mutt Lange, produtor de bandas como AC/DC e Def Leppard, ela fazia música grandiosa, eclética.

Esse ecletismo irritava os puristas de Nashville por sua adesão ao brilho do pop. Mas ainda assim dominava as paradas de sucesso e fez de Twain uma grande estrela, valendo-lhe a capa da revista "Rolling Stone" e forte veiculação na MTV.

Em canções como "Man! I Feel Like a Woman!" e "That Don't Impress Me Much", ela mostrava ousadia e um lado meio safado -prova concreta do triunfo do feminismo.

Muita coisa mudou, no hiato de 15 anos. As estrelas pop já não têm escala tão grandiosa. O country agora assume muitos dos riscos pelos quais Twain foi considerada como inovadora. E ela se divorciou.

Mas a cantora não parece apreensiva sobre seu retorno, com o quinto álbum, "Now", que sairá no próximo dia 29, depois de uma década e meia.

"Sinto estar voltando a mundos que já conheço", diz a cantora, 52, em um quarto de hotel em Los Angeles.

Como quase todos os seus álbuns, "Now" não é bem country, ainda que ela tenha abandonado os excessos de discos precedentes e adotado um tom mais caloroso e uma escala mais modesta.

Ao tentar se distinguir, Twain talvez acabe por se enquadrar, ainda que o percurso não pareça claro.

O primeiro single do novo álbum, "Life's About to Get Good", se saiu mal nas paradas. Mas o rádio talvez não seja o caminho de Twain, afirma Cindy Mabe, presidente do Universal Music Group Nashville. "O rádio é um multiplicador, mas será que ela realmente precisa dele? Não, ela é um ícone internacional."

Enquanto dá entrevista, prepara-se para a turnê mundial de lançamento, cercada por araras repletas de roupas para sessões de fotos e aparições na TV e refletindo sobre outra mudança cultural do período em que passou afastada da promoção de discos.

Charles Sykes/AP
Show do Nile Rodgers & the Chic no Palco Sunset durante o terceiro dia da 7ª edição do Rock in Rio
Shania Twain lança álbum após pausa de 15 anos

"É muito mais aceitável ser diferente, ter um corpo mais normal", diz ela, falando sobre o seu período de pico na música pop, quando tinha de usar roupas feitas sob medida porque os vestidos de passarela das grandes grifes não lhe serviam.

"Hoje está até na moda ter uma bunda maior. Lembro-me de que, no passado, eu sempre pensava que não havia como encaixar minha bunda naquelas calças."

Sua vida pessoal também mudou radicalmente.

Após 14 anos de casamento, ela se separou de Lange em 2008, ao descobrir que ele teve um caso com uma amiga íntima sua. Em 2011, Twain se casou com Frédéric Thiébaud, o ex-marido da amiga com quem seu ex a traiu.

"O disco não é a história do meu divórcio", insiste -mas muitas canções tratam de desconfiança e traição.

Twain sempre compôs suas canções, e seu talento de compositora continua aguçado. "Chorei muito ao compor. Nunca tinha chorado ao compor uma canção antes."

"Quando componho, é como se eu fosse a um lugar onde ninguém espera nada de mim. Não há inibições. É um lugar livre para que eu diga tudo o que eu quiser dizer."

Não há desconforto nem em lidar com sentimentos sobre o relacionamento passado estando já em outro.

"Não me casei com alguém incapaz de enfrentar aquilo", diz. Mas acrescenta: "É claro que eu não o deixaria ouvir tudo o que componho. Algumas coisas que digo ao compor jamais encontrariam espaço em uma canção pronta".

Em "Now", Twain pela primeira vez trata do período do divórcio em canções. Mas, em 2011, ela lançou uma autobiografia que a mostrava machucada e vulnerável, "From This Moment On" (deste momento em diante), e protagonizou uma série de documentários intitulada "Why Not? With Shania Twain", na Oprah Winfrey Network, que estava sendo lançada.

DOENÇA DE LYME

Quando chegou a hora de ressurgir musicalmente, ela escolheu o "ambiente controlado ideal", o de uma temporada de dois anos iniciada em 2012 no hotel e cassino Caesars Palace, em Las Vegas.

No mesmo período, ela perdeu a voz; os nervos conectados às suas cordas vocais se atrofiaram em consequência da doença de Lyme, que ela diz ter contraído após ser picada por um carrapato na turnê do álbum "Up!".

Hoje, ela se compara a um atleta lesionado -exercita a voz cuidadosamente para garantir que estará preparada quando precisar cantar. "Não tenho mais como simplesmente sair cantando."

Ela continuou a compor, ainda que imaginasse que tivesse de entregar suas canções a outros intérpretes.

Seu novo marido discordou. "Ele dizia que não, que eu voltaria a cantar um dia e que não deveria entregar as canções a outros."

Mas Twain se concentrou principalmente em cuidar de Eja, 16, seu filho com Lange.

"Eu fazia bolos, preparava a merenda, corria com ele para os treinos de futebol, coisas assim." Nas horas livres, em especial à noite, compunha, usando uma guitarra, um teclado, um microfone e um computador equipado com o programa Pro Tools.

O resultado desse trabalho foi um conjunto de demos sem um estilo específico. "Ainda não tinha determinado qual seria o clima."

Depois de um bom tempo sem ouvir música atual, enquanto compunha, ela começou a buscar possíveis colaboradores, e terminou escolhendo quatro produtores: Matthew Koma (Carly Rae Jepsen, Zedd), Ron Aniello (Bruce Springsteen), Jacquire King (Tom Waits, James Bay) e Jake Gosling (Ed Sheeran).

"Cada vez que eu tinha de enviar uma canção, ficava aterrorizada. Meu marido tinha de me convencer a fazê-lo. Ele dizia que ia ficar do lado do computador até eu apertar o botão."

"As canções eram muito importantes para ela -sei o quanto é difícil mostrar um trabalho", diz Matthew Koma, primeiro produtor a embarcar no disco, ajudando a fazer a ponte entre o trabalho passado de Twain, "sarcástico e ousado", e as novas e vulneráveis canções que ela lhe enviou e que são "parte de seu processo de cura".

Os álbuns que fizeram de Twain um ícone pop -"The Woman In Me" (1995), "Come On Over" (1997) e "Up!" (2002)- resultaram da colaboração íntima entre Twain e Lange, praticamente sem interferência externa e com delineamento claro de tarefas.

Uma das escolhas que ela teve de fazer foi a de gravar ou não um disco ligado ao passado, que ignorasse a conversação musical moderna em favor de um produto mais acústico.

Ou se gravaria um disco de duetos; ou ainda algo ainda mais inesperado, como um disco com arranjos de cordas: eram opções razoáveis para uma cantora voltando de uma longa hibernação.

"Teria sido mais seguro", diz. Mas Twain optou por outro caminho. "Eu queria que o disco fosse acessível, e isso quer dizer sonoramente acessível", afirma.

Jake Gosling, que trabalhou com alguns dos momentos mais sombrios do álbum, disse que Twain foi flexível desde o começo.

"Jamais discutimos qual era o resultado final esperado", diz ele, frisando que a interferência foi mínima. "Não tive de conversar com executivos de gravadora. Para ser honesto, eu nem sabia se ela tinha gravadora."

A outra ponte entre Twain e a música contemporânea é seu filho, que também é músico - Eja trabalha principalmente com dance music.

Enquanto Twain evitava cuidadosamente ouvir música atual, ela não conseguia evitar ouvir o bate-estaca vindo do quarto do filho.

Há ecos de dance music em "Now" -por exemplo, em "Let's Kiss and Make Up" e no começo de "Poor Me", que se parece com a introdução de "Don't Let Me Down", da banda Chainsmokers.

"Ele não quer ser músico de palco; prefere o lado paterno da profissão [de produtor]", disse Twain sobre o filho.

Quando Eja era menor, ele pedia que a mãe compusesse canções para ele.

"Eu respondia que estava compondo para os meus discos." Agora, ela entrega alguns arquivos vocais ao filho para que ele realize suas experiências, mas faz questão de lembrá-lo dos perigos de dedicar energia demais aos projetos de outra pessoa. "Você precisa fazer algo seu."

Tradução PAULO MIGLIACCI


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