Folha de S. Paulo


Violento, filme 'Três Anúncios' vence prêmio do público em Toronto

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A atriz Frances McDormand em cena do filme 'Three Billboards
A atriz Frances McDormand em cena do filme 'Three Billboards'

A vitória do violento drama "Três Anúncios para um Crime", que levou o prêmio do público do Festival de Toronto, consagra uma ruptura entre a velha Hollywood e uma novíssima safra de longas, sem heróis e sem brecha para chororô, que devem dar as caras no Oscar.

A mostra canadense, encerrada no domingo (17), dá largada para a corrida do prêmio da Academia. Como acontece em setembro, ela serve de plataforma de lançamento para os títulos mais autorais do fim do ano, os que os estúdios reservam para tentar uma vaga na cerimônia do ano seguinte.

Nos últimos anos, "La La Land" (2016), "12 Anos de Escravidão" (2013) e "O Discurso do Rei" (2010) estiveram entre os títulos que levaram o prêmio do público no Canadá e depois despontaram no Oscar. É o que deverá acontecer também com "Três Anúncios", sangrenta história de vingança numa cidadezinha americana dirigida pelo britânico Martin McDonagh.

Entregue pelo público, o prêmio reflete os humores de espectadores que ignoraram as tramas de superação de "Stronger" e "Breathe". Esses encarnam a velha Hollywood, apegada a fórmulas manjadas de heróis puros em seu valoroso duelo contra reveses da vida (a amputação das pernas em "Stronger", por exemplo).

Mas em uma era de Donald Trump, ameaça de confronto nuclear e supremacistas brancos, parece haver menos espaço para filmes edificantes.

"Três Anúncios" é, aliás, o que traduz melhor o ódio pulverizado entre os americanos que elegeram Trump e que dirigem sua ira contra as instituições tradicionais.

Na história, Mildred (Frances McDormand) é uma ressentida mulher interiorana que decide se vingar depois que meses se passam sem que o assassinato da filha seja solucionado pela polícia.

Sua tática é a da intimidação dos investigadores: ela afixa mensagens ofensivas contra o xerife local (Woody Harrelson) em três outdoors na estrada, que dão nome ao filme, a ser lançado no Brasil em 8 de fevereiro de 2018.

Ao longo da trama, Mildred se mostra menos movida por senso de justiça e mais por vontade de justiçamento. Tudo descamba para uma escalada de violência, que não dignifica nenhum dos lados.

ANTI-HERÓIS

O longa de McDonagh coroa o que pode acabar configurando uma novíssima Hollywood, com personagens mais nuançados, sem heróis definitivos ou desfechos redentores. Toronto exibiu vários títulos em sintonia com esse novo espírito.

Em "Molly's Game", de Aaron Sorkin, a personagem principal é a cínica Molly Bloom (Jessica Chastain), que enriqueceu com seu império ilegal do pôquer.

Distribuidores ouvidos pela reportagem em Toronto concordam que filmes com anti-heróis ou personagens controversos têm seduzido os compradores internacionais, de olho no que produz o cinema independente.

Não à toa, o título que foi comprado pelo preço mais alto na mostra (por US$ 5 milhões) foi "I, Tonya".

Nesse longa, que ficou em segundo lugar nos votos do público, Craig Gillespie escolhe como protagonista uma das pessoas mais odiadas da história do esporte americano: a patinadora Tonya Harding, condenada e banida dos rinques nos anos 1990 por ter participado da agressão física que tirou uma competidora rival do páreo.

Mesmo com uma personagem tão execrável, a história de humor negro protagonizada por Margot Robbie foi saudada pelo público.

Mais para o lado da sátira, "Suburbicon", de George Clooney, e "Pequena Grande Vida", de Alexander Payne, lançam mensagens sobre um mundo que não deu certo, seja o da vida idílica dos subúrbios (no primeiro caso), seja o da sociedade de consumo (no outro).

A mesma angústia de um mundo à beira do colapso é revisitada, mas sob chave espiritual, por Paul Schrader. Seu "First Reformed" trata de um pastor atormentado pelo apocalipse ecológico.

No ano que vem, títulos como esses vão encontrar uma Academia menos branca –desde 2015, o número de integrantes de minorias raciais subiu 331%– e um público espectador mais afeito ao que há de cinzento no mundo.


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