Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Cinquentões parecem mais jovens que filmes recém-lançados

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A atriz Catherine Deneuve como a Séverine de Luis Buñuel em 'A Bela da Tarde', de 1967
A atriz Catherine Deneuve como a Séverine de Luis Buñuel em 'A Bela da Tarde', de 1967

A BELA DA TARDE (ótimo)
QUANDO 17/9, ÀS 17h (Cinesesc); 19/9, ÀS 19h (Itaú - Augusta)

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A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (ótimo)
QUANDO 17/9, ÀS 17h (Cinesesc); 18/9, ÀS 19h (Itaú - Augusta)

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O que faz filmes cinquentões parecerem mais jovens que tantos recém-lançados? Algumas respostas podem ser vistas no Indie 17, que exibe deste sábado (16) a terça (19) cópias restauradas de "A Primeira Noite de um Homem" e "A Bela da Tarde", ambos de 1967.

O primeiro, dirigido por Mike Nichols, costuma ser apontado como um dos sinais da emergência de uma geração, chamada Nova Hollywood, que modificou o estilo e o modo de tratar temas no cinema americano.

O protagonista, Benjamin Braddock (Dustin Hoffman), é um jovem de 21 anos que, ao terminar a faculdade, retorna à casa dos pais, onde se sente um peixe fora d'água.

Enquanto não faz nada, começa a ter um caso com Mrs. Robinson (Anne Bancroft), mulher madura e casada com o sócio do pai dele.

O retrato de adultos satisfeitos com seu modo de vida artificial em oposição à postura juvenil de recusa é uma característica da época, que hoje parecerá datada.

O uso de canções pop como manifestação de estados de espírito, assim como a montagem que junta cenas descontínuas e os enquadramentos peculiares podem ter sido transgressões na Hollywood de 1967.

Mas o elemento do filme que continua na ordem do dia é a reconfiguração do lugar feminino, questão que, àquela altura, começava a ser assimilada pelo "mainstream".

A vulnerabilidade que Hoffman empresta ao protagonista fica ainda mais evidente em contraposição à atitude sempre ativa de Mrs. Robinson. Embora ela ganhe características de vilã no final, a primeira metade do filme é dominada pela superioridade dessa mulher madura que seduz quando bem entende, que vê o casamento apenas como convenção e que distingue o sexo como modo de prazer e recusa o que possa complicá-lo.

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Cena do filme 'A Primeira Noite de um Homem' (1967)
Cena do filme 'A Primeira Noite de um Homem' (1967)

Não por acaso, um ano antes a mesma Bancroft havia interpretado a destemida médica que enfrenta um bando de bárbaros em "Sete Mulheres", de John Ford.

Em "A Bela da Tarde", premiado com o Leão de Ouro em Veneza em 1967, a liberação feminina aparece reinterpretada pelo cinema da crueldade de Luis Buñuel.

Séverine, encarnada na beleza fria de Catherine Deneuve, parece uma imagem oposta à de Mrs. Robinson. Mas sua rotina de mulher da classe alta, esposa-bibelô de um médico bonitão, não esconde a insatisfação afetiva e sexual.

Buñuel, mestre da subversão desde os anos 1920, aproveita os ventos libertários de 1967 para jogar com a questão mais indecifrável de todas: o que quer o desejo?

Enquanto o marido trabalha, Séverine passa as tardes se prostituindo num bordel, onde se entrega a tipos desagradáveis e brutos. Desde "A Idade do Ouro" (1930), Buñuel já confundia gozo e suplício.

Além disso, o cinema do diretor espanhol é um terreno nada seguro. Se a cena inicial sugere um devaneio da protagonista, uma imersão numa fantasia sexual, o que vem em seguida não oferece nenhuma garantia de realismo.

Situações oníricas desequilibram a linearidade e seguimos os movimentos de Séverine sem nunca decidir até que ponto seu mergulho é imaginário.

A dupla vida de Séverine corresponde à dubiedade com que o surrealismo apreende o mundo. O onírico, o insólito, o aberrante não se opõem aos estados racionais, mas os excedem, criando camadas de sentido que provocam dúvidas e indagações.

Por isso, a construção da personagem não oferece meios para distinguir a liberação da submissão. Séverine vai ao bordel para romper os grilhões ou porque é masoquista? O final feliz faz parte da história ou é outro cochilo da nossa atenção? Na visão surreal de Buñuel, toda resposta será incompleta.


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