A Polícia Civil de Campo Grande (MS) apreendeu um quadro que integrava exposição realizada no Marco (Museu de Arte Contemporânea) do Mato Grosso do Sul após um grupo de deputados estaduais registrar um "boletim de ocorrência" contra a exposição da qual a obra fazia parte. Fundado em 1991, o museu é administrado pela Fundação de Cultura do governo do Estado.
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O quadro "Pedofilia", de Alessandra Cunha |
A obra é de autoria da artista plástica Alessandra Cunha, de Uberlândia (MG), conhecida como Ropre, e integrava a exposição "Cadafalso", da mesma artista, com outras 31 obras. O quadro traz a figura de uma menina vestida de saia e blusa, ao centro, e duas silhuetas de homens nus, sem contato com a criança, que aparece cercada no que seria um quarto fechado. Ao fundo, um olho derramando uma lágrima. À esquerda, escrita de trás para frente, foi pintada a frase: "O machismo mata violenta humilha".
Segundo os organizadores da exposição, o quadro intitulado "A Pedofilia" é uma crítica à exploração sexual de crianças, e não apologia. Eles mostraram imagens em que um cartaz afixado na porta de entrada do museu advertia que a exposição era recomendada para maiores de 18 anos. A peça foi apreendida pela polícia nesta quinta-feira (14), o que gerou protestos de artistas e professores universitários. Nesta sexta-feira (15), um grupo de 50 atores de teatro, alunos e professores de artes plásticas e artistas interditou um cruzamento movimentado no centro de Campo Grande para protestar contra a apreensão.
O fórum municipal de Cultura divulgou nota para repudiar a apreensão, considerada "uma extremada posição do pensamento ultraconservador que não oferece chances ao diálogo e ao entendimento do que sejam obras de arte". Segundo o fórum, a obra "não representa ofensa à moral, aos bons costumes, e muito menos é pornográfica, como querem [dizer] nossos zelosos representantes estaduais".
A exposição ocorria no Marco desde junho, mas só virou alvo de ataques na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul após o cancelamento da exposição "Queermuseu", pelo banco Santander, em Porto Alegre (RS). O tema foi debatido no plenário da Assembleia.
Em entrevista em vídeo ao site de notícias "Campo Grande News", o delegado da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) que fez a apreensão, Fábio Sampaio, disse que o quadro "induz à lascívia". "No quadro aparece a figura masculina de um homem aparentemente adulto e de uma criança, com conotação sexual. Como nesse caso induz a pessoas que vejam o quadro a prática da lascívia de um adulto com uma criança, e isso caracteriza crime. Então quando você expõe esse tipo de imagem para o público em geral você está fazendo uma apologia ao crime, no caso um estupro de vulnerável", diz o delegado, no vídeo. O policial afirmou que o quadro passará por "uma perícia".
Os deputados estaduais Herculano Borges (SD), Coronel David (PSC) e Paulo Siufi (PSC) estiveram na DPCA na tarde de quinta-feira, mesmo dia da apreensão. O deputado David, que foi comandante da Polícia Militar do Estado de 2009 a 2014, disse à imprensa de Campo Grande que a exposição é uma "agressão à família, aos bons costumes e à moral".
A diretora do Marco, Lucia Montserrat, disse à Folha que iria à delegacia de polícia na tarde desta sexta-feira para buscar esclarecimentos e depois informaria que medidas o museu poderá tomar sobre a apreensão.
A artista plástica Alessandra, procurada, não foi localizada. Ao site de notícias "Midiamax", Alessandra afirmou que "assusta um pouco saber que as pessoas não conseguem entender uma crítica óbvia [à pedofilia], mas é uma reação natural do machismo, que é justamente o que eu denuncio na minha série. Essa reação na contramão é o próprio machismo tentando reprimir as questões que a gente coloca contra ele".
Procurado pela Folha por telefone em seu gabinete, o deputado David não foi localizado.