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Ken Follett lança livro sobre guerras religiosas e espionagem no século 16

Olivier Favre/Divulgação
O escritor Ken Follett no castelo de Loch Leven, na Escócia
O escritor Ken Follett no castelo de Loch Leven, na Escócia

Ken Follet, uma vez, descobriu que o mundo não fora feito em sete dias. Quem primeiro o ajudou a desacreditar nos dogmas religiosos foi o mais improvável dos profetas: James Bond.

Um dos grandes best-sellers mundiais, com mais de 160 milhões de exemplares vendido em 80 países, o autor britânico cresceu em uma família de "fanáticos religiosos" –membros de uma seita que não permitia ao autor ver TV ou ir ao cinema. Mas podia ler, por isso agarrou a imaginação com os dedos.

A liberdade veio aos 12 anos, nos livros do espião britânico, experiência que Follett vê hoje como um "arrebatamento". Descobriu ali uma filosofia de vida –embora, o autor registra, ele esteja casado há 33 anos, diferentemente do espião, que tem uma namorada em cada porto.

"Aqueles romances me mostraram uma alternativa à vida [que eu tinha com minha família]. A consciência das possibilidades da existência foi muito importante", diz Follett, hoje ateu, à Folha.

A vida juntou esses elementos improváveis –fanatismo e histórias de espionagem–, e Follett resolveu reuni-los em "Coluna de Fogo", seu novo romance, que teve seu lançamento mundial nesta terça-feira (12).

Com arco narrativo ambicioso e muitos personagens, uma das marcas do autor, o livro vai ao Reino Unido do século 16 –período sangrento em que muitos iam para a fogueira por causa da rivalidade entre católicos e protestantes.

O romance mostra a morte da rainha Maria Tudor, católica que tentou eliminar os protestantes, e a ascensão de Elizabeth 1ª, monarca protestante que pregava a convivência harmoniosa entre as religiões no reino.

A coroação gera a volta de Maria Stuart, rainha da Escócia, à Grã Bretanha, disposta a tomar o trono de Elizabeth –projeto que fracassa e faz Maria ser presa em um castelo e, depois, morta.

Como a nova dona do trono sofre a oposição de potências católicas pela Europa, o primeiro serviço secreto britânico é criado, com uma rede de espiões organizada para protegê-la –essa organização daria origem ao MI6, serviço de inteligência do Reino Unido.

O personagem principal Ned Willard, vai se tornar um desses espiões, depois de ter uma relação amorosa impedida pelos pais de sua pretendida, que suspeitam que a família dele seja protestante. O casal se vê em lados opostos do conflito fratricida.

Com o livro, Follett une não só dois temas de sua infância mas também os dois assuntos mais importantes de sua carreira literária: os romances históricos e as histórias de espionagem.

Follett tem contado, em suas obras, grandes episódios da história humana –mas pelos olhos da ficção. O que, porém, poderia um romancista oferecer de diferente do que faria um historiador?

"Num livro de história normal, você pode ler que o protestantismo crescia na França. Mas por que alguém rompe com o catolicismo e adotar uma religião ilegal? O que havia em seu coração?", indaga o autor.

"Mesmo as forças econômicas que movem fatos históricos têm sua dimensão na vida íntima. Num livro de história, você sabe que o preço do pão ficou alto. No romance, você vê o desespero do homem para alimentar sua família."

IMAGINAÇÃO

O livro, assim, torna-se um libelo a favor da tolerância religiosa. Não só esse livro, que trata do assunto, diga-se –mas qualquer um. Para Follett, o desenvolvimento da imaginação seria um antídoto contra o extremismo.

"Um romance mostra o mundo do ponto de vista de um personagem, alguém diferente de você. Uma vez que você faz isso na ficção, é possível fazê-lo também na vida real", afirma.

"Escrevi um livro para falar do século 16, mas estou consciente de que há ressonâncias nos dias de hoje, com o dogmatismo que leva à violência e à guerra."

Follett cita o livro "Os Anjos Bons da Nossa Natureza", do psicólogo e linguista americano Steven Pinker. A obra é uma tentativa de provar que a violência declinou ao longo da história da humanidade –e que, apesar do que parece, nós nunca fomos tão pacíficos quanto agora.

"Ele diz que os homens ficaram menos cruéis e situa o ponto de virada em algum momento no século 18. Um dos fatores que ele aponta é justamente a difusão dos romances. As pessoas passaram a ver a vida sob outros pontos de vista."

O escritor fez uma ampla pesquisa histórica sobre o período que retrata –não só em livros mas viajando aos locais onde a ação se desenrola. Passou por França, Espanha e Bélgica, além do Reino Unido.

A Folha o acompanhou em uma visita a Loch Leven, onde Maria Stuart foi mantida presa. "A pesquisa estimula a minha imaginação."

ENTRETENIMENTO

Como em outros livros de Follett, o estilo busca a invisibilidade –o autor quer que o leitor preste atenção à história, não à sua prosa. Ele diz que, jovem, admirava artistas que quebravam as regras. Mas, ao tentar escrever, viu não ser esse seu destino.

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"Percebi que já seria difícil o suficiente escrever algo que os outros quisessem ler. Perdi a ambição de ser vanguardista, sou um autor mainstream. Recebi o dom da imaginação, e não e o de mudar as regras. Escrevo um tipo de história que muitos escreveram antes de mim."

A televisão e o cinema não ameaçam a existência dos autores que, como ele, só querem contar histórias?

"A diferença entre ler um livro e ver sua versão cinematográfica, por exemplo, é a mesma de jogar futebol ou ver o futebol na TV. Além disso, a imaginação não tem limites de orçamento."

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COLUNA DE FOGO
AUTOR Ken Follett
TRADUÇÃO Fernanda Abreu
EDITORA Arqueiro
QUANTO R$ 59,90 (816 págs.)


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