Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Espectador deve se deleitar com o sublime 'Na Praia à Noite Sozinha'

Divulgação
Kim Min-hee como Younghee em cena do filme 'Na Praia à Noite Sozinha
Kim Min-hee como Younghee em cena do filme 'Na Praia à Noite Sozinha'

NA PRAIA À NOITE SOZINHA (ótimo)
(Bamui haebyun-eoseo honja)
DIREÇÃO Hong Sang-soo
PRODUÇÃO Coreia do Sul, 2017, 14 anos
ELENCO Kim Min-hee, Seo Young-hwa
QUANDO nesta quarta (13), às 20h30, no Cinesesc; grátis
Veja salas e horários de exibição

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Com "Na Praia à Noite Sozinha" Hong Sang-soo realiza seu conto de inverno e, talvez, seu filme mais grave até aqui. Dividido em duas partes, "Na Praia..." começa com o encontro, na sacada de um apartamento, na Alemanha, entre duas amigas coreanas. Uma delas, Younghee, é uma atriz famosa que espera a chegada de amante, um diretor de cinema também famoso, casado.

Elas conversam sobre o que qualquer uma conversaria: o amor, a impossibilidade de amar (da amiga), a hipótese de o diretor vir até ela, como prometeu, ou não vir.

Eis, desde aí, o que o cinema de Hong Sang-soo tem de mágico: tudo se passa num universo absolutamente trivial, cotidianamente plausível, de onde não há que esperar nenhuma surpresa. No entanto, sequência após sequência tudo parece se transformar. Estamos no território paradoxal desse nada que é tudo.

Na segunda parte do filme, a atriz retorna à Coreia.

Logo se dá isso que parece essencial nos filmes do coreano: o encontro entre amigos. No bar, de preferência, mas não só. Um desses amigos parece, a ela, ter envelhecido bastante. Outros consideram que ela está mais madura. Fala-se de amor, idade e até da hipótese da morte, claro. Por mais distante que esteja, ela está sempre próxima.

O amante que não foi encontrá-la, a mudança de cidade (ela deixa Seul), o abandono da carreira, uma eventual notícia sobre como vai a vida do diretor depois da separação... Uma discussão sobre como são os homens. Um nada que é tudo.

Verdade que basta um pouco de cerveja para Younghee deixar de lado as amenidades: a atriz não tem papas na língua. Conviver com ela, reconhece, não é fácil. Na mesma noitada, ela beija uma amiga: mulheres valem mais do que homens.

Mas de que filme você está falando, homem? Que interesse isso tem? Nenhum, para quem não quiser ou souber ver.

Quem sabe ver deleita-se com cada imagem de Hong, com a energia de sua Younghee, com as cervejas que toma com os amigos e que a tiram do sério (ou, ao contrário: a lançam na dimensão da total sinceridade).

Se mergulha seus personagens num cotidiano inteiramente banal, o filme vai mostrando, pouco a pouco, o quanto o cotidiano nada tem de banal. Ou até o quanto o banal pode nada ter de banal: esse mundo feito de rotina, ou da tentativa de estabelecer rotinas, é povoado de tensões.

Essas tensões podem eclodir subitamente, num diálogo. Ou num sonho. Ou no diálogo de um sonho. Pois cada passo da atriz revela alguém que vive entre o real e o sonho, o visível e o não visível.

Claro, existe ali a afirmação de uma personalidade tão exuberante quanto a beleza de Younghee. Mas onde isso vai desembocar? Talvez no livro que ganha de presente de um diretor (outro, não o seu ex-amante) onde ele assinala o texto que deu origem ao filme que está prestes a rodar. Um texto que parece muito com o momento de Younghee (e talvez seja, também, o do outro diretor, o ex-amante).

É possível que a vida exista mesmo para virar um livro, como dizia Borges. Ou um filme sublime como este, um dos raros momentos de cinema a reter deste ano.


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