Folha de S. Paulo


Em protesto, curador diz que outras cidades podem receber mostra vetada

Após ser encerrada com um mês de antecedência em Porto Alegre, a exposição Queermuseu agora procura uma cidade mais receptiva para se instalar.

A afirmação foi feita nesta terça-feira (12) pelo curador da mostra, Gaudêncio Fidelis, durante manifestação contra a LGBTTFobia organizada por grupos culturais, sindicatos e entidades de defesa da população LGBT.

O protesto terminou com bombas de gás atiradas pela Brigada Militar durante um tumulto.

Segundo Fidelis, secretários de cultura e representantes de instituições de outras partes do país o procuraram e demonstraram interesse em acolher a exposição.

"Existem muitas pessoas preocupadas com a importância dessa exposição, com a grandiosidade artística que ela representa, com o interesse que ela representa para a comunidade artística, inclusive internacional", disse.

Entre as cidades que teriam demonstrado interesse estão São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília. Apesar dos convites, o curador destacou a complexidade logística para transportar as obras e disse que as tratativas ainda são extraoficiais.

A exposição estava aberta havia pouco mais de 20 dias no Santander Cultural, no centro de Porto Alegre. Na semana passada, as obras começaram a receber acusações de vilipendiar símbolos religiosos e fazer apologia à zoofilia e pedofilia.

O MBL (Movimento Brasil Livre) fez duras críticas ao banco, que no último domingo (10) cedeu à pressão e decidiu encerrar a exposição. O Santander emitiu nota pedindo desculpas aos que se sentiram ofendidos pelas obras.

A Queermuseu conta com 270 obras assinadas por 85 artistas, como Adriana Varejão, Candido Portinari, Ligia Clark, Yuri Firmesa e Leonilson. As peças abordam a temática sexual, questões de gênero e de diferenças. Segundo Fidelis, muitas destas obras estão em exibição há mais de 30 anos em diferentes museus do mundo.

O protesto contra o encerramento da mostra reuniu cerca de 300 pessoas em frente ao Santander Cultural. Os manifestantes, a maioria jovens, gritavam frases como "Fascistas, golpistas, não passarão" e "Eu beijo homem, beijo mulher, tenho direito de beijar quem eu quiser".

Entre elas estava a estudante de museologia Júlia Jaeger, 20, que disse ter ido para defender a necessidade de manter esses espaços abertos.

"A arte é uma manifestação, não dá para vir com a tua ideia e achar que é aquilo que está sendo representado ali. A gente precisa desses espaços para mostrar as várias possibilidades das coisas", afirmou.

Perto dali, Márcio Saraiva observava com olhar curioso o grupo de manifestantes. Ele, que passava pelo local no momento do protesto, disse gostar de arte e ter visitado a exposição antes do fechamento.

Ele afirmou não se sentir ofendido por nenhuma obra, mas disse entender que o banco poderia ter restringido o acesso de crianças a certas áreas da exposição. "Tendo esses cuidados, não precisaria fechar."

Durante a manifestação, a obra "Eu e Tu", de Lygia Clark, foi levada para a frente do espaço por Álvaro Clark, filho da artista.

Ele afirmou nunca ter visto nada parecido como a reação em Porto Alegre. "E olha que eu conheço o mundo inteiro levando a exposição de Lygia."

Para ele, a população gaúcha ainda não tem condições de receber esse tipo de provocação: "Eu entendo que Porto Alegre não está preparada. Infelizmente. Porque se fosse no Rio de Janeiro não teria acontecido isso."

Paula Cassol, coordenadora do MBL no Rio Grande do Sul, afirmou que além de questionar o caráter das obras é contrária ao fato de o projeto ter sido financiado por meio da Lei Rouanet.

O Santander anunciou que vai devolver os R$ 800 mil que obteve em isenção de impostos para financiar a exposição.

TENSÃO

O protesto teve dois momentos de tensão. Em um deles o youtuber do canal Mamãe Falei, Arthur do Val, foi agredido após fazer filmagens em meio aos manifestantes.

Já no final do protesto, houve outro confronto com os participantes, desta vez com a participação do também youtuber Rafinha Bk. A tropa de choque da Brigada Militar foi acionada e atirou bombas de gás nos manifestantes. Não há relatos de feridos.

Duas pessoas foram presas por desacato e desobediência, segundo a Brigada Militar.


Endereço da página:

Links no texto: