Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Livro mostra influência de Guimarães Rosa sobre Tom Jobim

Folhapress
O compositor Antonio Carlos Jobim ao piano
O compositor Antonio Carlos Jobim ao piano

MAESTRO SOBERANO - ENSAIOS SOBRE ANTONIO CARLOS JOBIM (bom)
ORGANIZADOR Luca Bacchini
EDITORA UFMG
QUANTO R$ 69 (328 págs.)

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"'Grande Sertão Veredas' virou a minha casa", disse Tom Jobim ao jornalista Zuenir Ventura em entrevista registrada no livro "3 Antônios e 1 Jobim", de 1993. A admiração do compositor por Guimarães Rosa tinha se convertido em música 20 anos antes, com o lançamento do disco "Matita Perê".

Ainda há muito para pesquisar sobre a ligação entre esses nomes extraordinários da cultura brasileira, mas o lançamento do livro "Maestro Soberano" já representa avanço na compreensão da influência do escritor sobre Tom, que faria 90 anos em 2017.

O ensaio "Tom e Rosa", de Heloisa Starling, professora de história do Brasil da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é um dos ápices da obra, que explora a obra jobiniana sob diversos ângulos.

Starling se baseia, sobretudo, na música "Matita Perê" (1973), parceria de Tom e Paulo César Pinheiro, cuja inspiração central foi o conto "Duelo", de "Sagarana", de Rosa.

A transição das páginas do livro para a partitura exigiu soluções intrincadas dos músicos, o que levou a professora a se referir à canção como de "textura densa, difícil, de pesada subjetividade". A proeza de Heloisa é explicar esse processo com didatismo e elegância.

Além de uma apresentação do pesquisador Luca Bacchini, organizador do livro, e de uma introdução afetuosa de Ana Lontra Jobim, viúva de Tom, "Maestro Soberano" reúne dez ensaios.

A maior parte foi escrita para revistas italianas editadas por Bacchini entre 2007 e 2010. Para o livro, porém, os ensaios foram revisados por seus autores, e alguns deles reescritos por inteiro.

Tal qual a serra do Mar, cultuada pelo compositor carioca, a obra é uma sucessão de planaltos e vales.

Outro ponto alto do livro é "A Construção de 'Águas de Março'", de Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.

Garcia mostra como Tom colheu referências musicais e literárias para compor uma de suas obras-primas. Das canções, vêm, entre outras, "Construção", de Chico Buarque, e um ponto de umbanda gravado por J. B. de Carvalho. Dos livros, versos de Olavo Bilac e passagens de Rosa –ele, de novo.

MOSAICO

A rigor, não existem novidades nesse mosaico, o que mais importa é a clareza com que o autor sistematiza essas influências para a criação de "Águas de Março", em 1972.

Por outro lado, há textos que se perdem na mitificação do compositor. É o caso dos ensaios de Bacchini, em que dá importância desmedida à relação entre Tom e a Itália, e de Patricia Fuentes Lima, professora da Universidade da Carolina do Norte (EUA), no qual ela equipara a produção literária de Tom às suas criações musicais, ponto de vista que não se sustenta nos exemplos apresentados.

Apesar dos declives, prevalecem os picos, que nos deixam ver novas paisagens no repertório de Tom Jobim.


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