Folha de S. Paulo


Veneza opta por caminho seguro com filme hollywoodiano de Del Toro

Domenico Stinellis/Associated Press
Mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira', no Santander Cultural, em Porto Alegre
Guillermo del Toro recebe o Leão de Ouro em Veneza por seu 'The Shape Of Water'

O Festival de Veneza de 2017 trouxe filmes bem distintos, mas uma preocupação predominou: discutir a insanidade do mundo atual. E o júri presidido por Annette Bening se viu perante alguns filmes peculiarmente desafiadores.

Mas diante da angústia religiosa de Paul Schrader ("First Reformed"), da volúpia estival de Abdellatif Kechiche ("Mektoub") e das metáforas discutíveis de Darren Aronofsky ("Mãe!"), os jurados escolheram um caminho mais seguro. O Leão de Ouro (entregue no sábado, 9) ao hollywoodiano "The Shape of Water", de Guillermo Del Toro, foi um prêmio de "zona de conforto".

Não que o filme não proponha desafios, mas o faz de forma inofensiva. Como "O Labirinto do Fauno" (2006), de Del Toro, é uma fantasia, mas menos soturna: é sobre uma faxineira muda que vive um romance com um estranho ser anfíbio. Fala de solidão e de não ser compreendido pelo mundo. Como não se identificar?

Há até um quê de ousadia: a protagonista se masturba, e há cenas de tortura. Mas a estética à la "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" (2001) e a atmosfera lúdica tipo "A Invenção de Hugo Cabret" (2011) abrandam tudo; o filme é feito para encantar.

Ainda tem um viés inclusivo (os aliados da protagonista são uma mulher negra e um vizinho gay). Por via das dúvidas, Del Toro dá a cartada final: faz uma homenagem ao cinema. Que júri não premiaria? Aliás, ele pode se juntar a Alfonso Cuarón ("Gravidade") e Alejandro G. Iñárritu ("Birdman" e "O Regresso") ao clube dos mexicanos oscarizados.

Divulgação
Mostra 'Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira', no Santander Cultural, em Porto Alegre
Sally Hawkins (esq.) e Octavia Spencer em cena de 'The Shape Of Water', de Guillermo del Toro

Mais corajoso foi o Grande Prêmio do Júri, para "Foxtrot", do israelense Samuel Maoz. O drama surreal fala do absurdo de se viver sempre pronto para a guerra. Em seu caos, foi uma das obras mais poderosas vistas no Lido. O Prêmio Especial do Júri foi para o belo "Sweet Country", do australiano Thornton Warwick, western que joga luz na questão aborígene.

O troféu de melhor diretor foi para Xavier Legrand, por "Jusqu'à la Garde". Estreando em ficções, o francês fala de violência doméstica, em um drama que evolui com competência para o thriller. E o melhor roteiro foi para a boa surpresa "Three Billboards Outside Ebbing, Missouri", de Martin McDonagh, sobre a ira na sociedade americana. Foram os três prêmios políticos da edição.

O troféu de melhor ator para o palestino Kamel el Basha, por "The Insult", parece antes uma forma de reconhecer o ótimo filme do libanês Ziad Doueiri, sobre uma briga entre um libanês e um palestino.

E a melhor atriz foi Charlotte Rampling, por "Hannah" (de Andrea Pallaoro). É uma boa atuação, mas é o mesmo papel contido, amargurado e de poucas falas que Rampling tem feito há anos. Melhor seria premiar Helen Mirren, em sua enérgica e colorida performance no drama sobre idosos "The Leisure Seeker", infelizmente ignorado pelo júri.


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