Folha de S. Paulo


Curta sobre Paulo Emilio Sales Gomes dá novo sentido a velhas imagens

Acervo Cinemateca Brasileira
Paulo Emílio Sales Gomes recebe homenagem no clube dos artistas, em São Paulo, na década de 1970
Paulo Emílio Sales Gomes recebe homenagem no clube dos artistas, em São Paulo, na década de 1970

"Festejo Muito Particular" começa por ser o último texto escrito por Paulo Emilio Sales Gomes, em 1977, na véspera de sua morte, conforme Carlos Augusto Calil, responsável pela organização de seus trabalhos.

Texto muito particular, portanto, dedicado algo nada particular: os 80 anos do cinema brasileiro. É nele que se inspira Carlos Adriano para realizar "Festejo Muito Particular", que se abre com Paulo Emilio conversando com o grande poeta italiano Giuseppe Ungaretti.

E sobre o que versa o papo? Cinema brasileiro, claro. Paulo Emilio pergunta-lhe se já viu filmes brasileiros. O poeta esquiva-se: se o Brasil tem grandes escritores, poetas, por que não teria grandes cineastas?

Mas que importa a esquiva? Talvez o poeta não conhecesse nem Fellini. O que importa é a pergunta. Paulo Emilio tinha no momento a obsessão de institucionalizar o cinema brasileiro, de influir para que este deixasse de ser um ente marginal à vida intelectual no país.

Com a rara elegância de estilo, critica quem só tem interesse em filmes estrangeiros e ao mesmo tempo inclui-se nesse grupo: "Procuro ser compreensivo com muito do que leio e ouço por aí em torno do cinema brasileiro. Tenho ótimas razões para ser bonzinho: desconheço alguém tão totalmente colonizado quanto eu fui."

Retórica tão delicada quanto cortante, pois partindo de alguém reconhecidamente responsável pelo ressurgimento da obra de Jean Vigo. Na França! O que o fazia um pensador de importância mundial.

No entanto, há a conversão. É quando ele, fundador da Cinemateca Brasileira, admite a necessidade de preservar os filmes feitos aqui (a que ninguém, ele inclusive, dava bola).

A diferença entre Paulo Emilio e Carlos Adriano é patente: o primeiro torna-se combatente e usa com paciência todas as armas do didatismo para mostrar a nós, brasileiros letrados, a relevância de nossas imagens –sejam boas ou más– para o nosso autoconhecimento.

O segundo evita todo didatismo. Seu cinema é claramente experimental. Daí talvez soem estranhas para quem não tem familiaridade com temas como cinemateca e preservação...

Ele é um cineasta que não filma. Seu cinema consiste em encontrar velhas imagens e dar-lhes novo sentido por meio da montagem. O que vemos ali? Cenas de "O Segredo do Corcunda", "Tesouro Perdido", "Aitaré da Praia", "Limite", misturadas com "Zero de Comportamento", "A Propósito de Nice" e "O Atalante" –os três primores legados por Vigo.

Algumas imagens que sobraram de "Senhorita Agora Mesmo" nos mostram a beleza fascinante de Eva Nil, talvez nossa Louise Brooks, se seus filmes tivessem sobrevivido.

Eva Nil é certamente a musa perdida, sacrificada à desimportância atribuída às nossas imagens. E é a partir desses fragmentos, desses "salvados de incêndio", que Carlos Adriano produz correspondências por vezes notáveis com o texto de Paulo Emilio.

"Festejo" é uma oportunidade notável para conhecer um cinema que é puro reconhecimento, reencontro com imagens necessárias. E para refletir sobre tudo que deixamos de conhecer do nosso passado graças ao descaso absoluto do mundo intelectual (e do poder) por imagens criadas no Brasil.

Assista ao trailer de 'Festejo Muito Particular'

Assista ao trailer de 'Festejo Muito Particular'

*

FESTEJO MUITO PARTICULAR
DIREÇÃO Carlos Adriano
QUANDO até 13/9, na sessão de "Como Nossos Pais" nos espaços Itaú de Cinema em SP, Rio, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Salvador


Endereço da página: