Folha de S. Paulo


Críitica

Faroeste francês troca tiroteios e roubos por vida amorosa de ladrão

Reprodução
OF Croaácia
Trecho dos quadrinhos "Gus", de Christophe Blain

GUS VOL. 1: NATHALIE, GUS VOL. 2: BELO BANDIDO e GUS VOL. 3: ERNEST (ÓTIMO)
AUTOR Christophe Blain
TRADUTOR Fernando Paz
EDITORA Sesi-SP
QUANTO R$ 35 (cada volume, de 80 a 92 págs.)

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O atrativo dos mocinhos e bandidos do velho oeste americano sempre chegou mais longe que seu país de origem histórica. Escritores e cineastas franceses, italianos, japoneses, brasileiros e outros deram contribuições significativas para os mitos do western.

Nos quadrinhos, a série italiana "Tex" explora rangers, cowboys, navajos, ladrões de gado e de banco há quase 70 anos, enquanto os franco-belgas têm Lucky Luke e Blueberry como ícones há décadas.

Coube a outro francês, Christophe Blain, dar mais uma contribuição marcante ao mito do western. Ou, no caso, ver um lado que pouco se explora: bandidos apaixonados.

Em "Gus", o personagem titular faz parte de um trio de assaltantes de banco. A estética visual é aquela conhecida dos filmes: os chapéus de caubói, a bandana cobrindo meio rosto, cavalos, Colts, Winchesters. Mas o grande conflito de Gus e seu bando não se dá com as forças da lei –que, aliás, mal dão as caras– e sim com o outro sexo.

Assaltar um trem, arrancá-lo dos trilhos e sair com sacos de dinheiro (aqueles com cifrões) é coisa que os bandidos resolvem em três páginas.

Entender a pretendente que manda cartas, marca encontros, solta indiretas e enche de promessas –mas que se casará com outro– exige bem mais páginas. E mais empenho.

E então, após vários encontros no zero a zero, no meio de um tiroteio, Gus se decide e avisa os colegas: "Já chega, viu? Nunca mais ligo pra ela."

As cenas clichê dos westerns são só pano de fundo em "Gus". Mesmo que concentrem ação, poses e o vigor viril das histórias de torcer para o bandido, os assaltos e tiroteios são de poucos quadros, abruptos, às vezes só uma sugestão. O que interessa a Blain é a vida sentimental do ladrão.

Reprodução
OF Croaácia
Trecho dos quadrinhos "Gus", de Christophe Blain

O segundo volume é dedicado a Clem, um dos comparsas de Gus. Depois de um sorriso, ele apaixona-se por Isabella, fotógrafa ruiva de espírito livre. Só que Clem é igualmente apaixonado pela esposa "" que escreve livros sobre foras-da-lei como ele "" e a filha. A família que ele abandona por longos meses nas suas temporadas de assaltos.

Clem é visivelmente dividido por duas paixões. Mas seu conflito interno nunca se mostra em palavras. Ele ou descarrega a dúvida na violência –encarando sozinho um bando de pistoleiros a cavalo –ou tem sonhos nos quais é perseguido por uma versão gigante e ciclópica de si, cujo olho o ilumina como um farol.

Gus 3 - Ernest
Christophe Blain
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Fazer comparações entre qualquer coisa e a obra do cineasta Wes Anderson é um recurso meio gasto. Mas, caso apostasse em um western, talvez ele chegasse perto de Gus. Embora normalmente se ligue seus filmes a uma estética ornamental ferrenha, uma das grandes marcas do diretor é colocar personagens altamente caricatos em situações que tendem para o realismo.

A caricatura de Blain não tem como ser mais pronunciada do que o nariz comicamente alongado de Gus. O gênero do western, porém, é a grande caricatura que ele usa para tratar de nada mais real e complexo que a desilusão amorosa.


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