Folha de S. Paulo


Gilberto Gil e parceiros reconstituem gênese de 'Refavela', que faz 40 anos

Ricardo Borges/Folhapress
Gilberto Gil em seu estúdio na Gávea, no Rio de Janeiro, no último dia 4
Gilberto Gil em seu estúdio na Gávea, no Rio de Janeiro, no último dia 4

Quatro décadas atrás, Gilberto Gil, então com 34 anos, foi convidado para se apresentar no 2º Festac (Festival Mundial de Arte e Cultura Negra), em Lagos, Nigéria.

A participação no gigantesco evento –que reuniu 50 mil artistas africanos e da diáspora negra, entre janeiro e fevereiro de 1977– marcou-lhe profundamente e serviu de inspiração para que criasse, poucos meses depois, um disco que evocava suas raízes negras: "Refavela".

O álbum tornou-se o mais bem-sucedido de Gil até então, misturando influências da juju music africana com o reggae, os blocos afros da Bahia, o samba e o funk americano da época, que ganhava projeção no Brasil com o movimento Black Rio.

Agora, em seu aniversário de 40 anos, o disco é celebrado com um show organizado por Bem Gil, guitarrista e filho do cantor. Ele convidou amigos como Moreno Veloso, Céu e Maíra Freitas –além de seu próprio pai– para cantar as dez faixas de "Refavela" e outras que se conectam a ele.

Após estrear no Rio na última sexta (1º), o show chega a São Paulo nesta quinta, para três apresentações no Sesc Pinheiros (de 7 a 9/9) e uma, gratuita, no Sesc Itaquera, no domingo (10).

A turnê –que passará ainda por Salvador (23/9), Belo Horizonte (29/9) e Porto Alegre (10/12)– vem sendo acompanhada pela equipe da Conspiração Filmes, para um documentário sobre o álbum, com direção de Mini Kerti.
"Refavela" também é tema de um livro escrito por Maurício Barros de Castro e recém-lançado pela editora Cobogó, dentro da coleção "O Livro do Disco".

Para relembrar a gênese do álbum e seu impacto, a Folha entrevistou Gil e outras pessoas que participaram dele. Elas contam a história de uma obra que nasceu com um conceito bem definido, quase naufragou na mixagem, mas se salvou graças à força das canções e dos músicos envolvidos.

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GILBERTO GIL, 75, cantor e compositor
Há duas coisas interessantes para entender na gênese do "Refavela". Uma é o conceito "re", que já vinha do "Refazenda" [1975]. Ele foi uma revisita, uma retomada, um retorno às minhas origens nordestinas, ao sertão da minha infância, à música de Luiz Gonzaga, que foi a deflagradora do meu gosto por ser artista. Ficou uma sementinha ali, um impulso a rever, retomar. Quando fui para a Nigéria, para o festival de cultura negra [Festac, 1977], quase 50 mil artistas da África e do resto do mundo, ali veio um sentimento de revisitar aquilo tudo do campo da cultura negra, que ainda era algo de certa forma recente em mim.

Tinha tido primeiros contatos na adolescência em Salvador, mas só fui me interessar pela dimensão negra da cultura e da vida brasileira quando eu visitei um terreiro de candomblé na ilha de Itaparica [Bahia]. Lá me veio um sentimento de pertencimento àquela cultura, compus "Babá Alapalá" [que entraria em "Refavela"]. Quando eu cheguei na África, em contato com aquela força toda da cultura negra, esse sentimento se consolidou. Aí deu vontade de remexer em mim mesmo essa questão.

DJALMA CORRÊA, 75, percussionista
O "Refavela" é um momento de mergulho nessas experiências que a gente teve na Nigéria, com influências afro muito fortes, a convivência com aqueles músicos todos. Toda noite, depois do festival, a gente ia para a casa de shows do Fela Kuti [músico nigeriano pioneiro do afrobeat, morto em 1997], Fela Shrine, e aí o couro comia, ia até de manhã regado a uma maconha sacudida. Na entrada tinha aquelas mulheres maravilhosas, com as bandejas cheias de maconha. E era uma coisa normal, fumava uma maconhinha tranquila, tocava até o que não sabia. Conhecemos o Fela lá.

Gil foi somando de uma maneira muito natural essas influências. Ele fazia muito essas misturas. Mergulhamos nesses caminhos que Gil foi abrindo para a gente.

GIL
Do ponto de vista estético, o deflagrador foi mesmo a "refavela" onde ficamos hospedados em Lagos. Era uma espécie de vila olímpica que tinha sido construída pelo governo nigeriano para abrigar todas as delegações [do Festac]. Eram essas construções mais simples, como os blocos do BNH [Banco Nacional da Habitação]. Aí veio a chave estética, que remetia imediatamente ao disco anterior, ao "Refazenda". Já vim de lá com a ideia de que o próximo trabalho se chamaria "Refavela". A canção-título é um manifesto dessa posição intelectual e sentimental.

ROBERTO SANTANA, 74, produtor
Gil tinha acabado de sair do "Refazenda". Eu era próximo dele na época, vivia na casa dele e um dia disse: "Pô, bicho, espero um dia ser chamado para produzir um disco seu". Ele respondeu: "Pronto, o próximo é seu". Na volta do festival da Nigéria, ele me chamou e disse, "a ideia do disco é essa, assim assim, os músicos são esses, vamos pro estúdio".

O disco foi feito de uma maneira muito simples, não teve nada rebuscado. Entramos no estúdio e fomos experimentando os sons. Eu troquei o baterista, saiu Chiquinho Azevedo, que era compadre de Gil, um bom menino, mas não um músico extraordinário, e botei Paulinho Braga, um mineiro que tocava com a Elis Regina na época.

PAULO BRAGA, 74, baterista
Eu não fazia parte da banda dele, mas, como sempre rendi bem dentro do estúdio, fui chamado para fazer o disco. O Cidinho Teixeira [tecladista], que mora em Nova York, dia desses me falou: "Pô, Paulo Braga, a banda era só de negão, bicho. Aí chegou você, branquelo, e a gente ficou meio 'ih, caramba'. Mas você tocou mesmo". Eu falei "foi bom que eu não soubesse disso que vocês estavam pensando". Deu tudo certo. Eu sentei e toquei.

ROBERTO SANTANA
Foi a primeira vez de Perinho Santana [guitarrista] num estúdio, recém-chegado da Bahia. Era um monstro tocando, infelizmente morreu jovem, aos 40 anos. Teve Cidinho, um tecladista gaúcho. Era uma dificuldade para ele pegar as músicas, mas, quando ele dominava, era um suingueiro extraordinário. Tocou com Gil muito tempo. Rubão Sabino no baixo. Eu convidei Paulo Sérgio "Chocolate" para gravar, foi o primeiro técnico negro da Polygram. E ele chamou como assistente outro negro, Julinho Mancha Negra.

GIL
Via de regra, eu já levo para o estúdio um conjunto de canções para ser trabalhadas com aqueles músicos que foram escolhidos para a gravação, que na maioria das vezes são bandas que já estavam tocando comigo. Perinho [Santana, guitarrista que ajudou nos arranjos] era muito próximo no compartilhamento das ideias. "No Norte da Saudade", por exemplo, o modo como a guitarra vai cantando. Havia a busca de aproximação com o reggae em algumas das canções, como essa. Um fascínio com a música do Bob Marley, tudo aquilo.

Cidinho, um tecladista muito lépido e muito negro, carioca, com toda a bossa da noite carioca, também deu uma contribuição muito interessante. Djalma Corrêa, o percussionista. Paulinho Braga, baterista renomado, com uma reputação extraordinária de músico de estúdio. Ele é o único que não era da banda [que foi à Nigéria].

ROBERTO SANTANA
As gravações levaram dois meses. Foi muito tempo, Gil viajava para fazer show, voltava rouco e não sei o quê. Era disco para ser feito em 15 dias.
Ele é muito paciente. Tempo, para ele, não existe. Se ele puder ficar lá passando umas notas, levar um dia inteiro, para ele tudo bem. Eu tinha de administrar essa calma de Gil e a preguiça dos músicos, que recebiam por período de gravação, então enrolavam para ganhar mais. Eu pressionava, ameaça cortar os períodos em que eles não faziam nada, mas nunca cortei. O dinheiro não era meu, era da Polygram, empresa rica, os músicos todos pobres.

Gravamos no estúdio da Barra da Tijuca [zona oeste do Rio]. A única rua asfaltada era a da Polygram, avenida Érico Veríssimo, o resto tudo era barro. Quando chovia, era melhor ir para casa de canoa. Eu fui morar na Barra dois meses depois [das gravações], Gil também foi.

PAULO BRAGA
O Gil sempre gostou muito de tocar junto, fazer as coisas junto. Às vezes refazia a voz depois, algum pedaço que não tivesse agradado, mas gostava de colocar a voz junto com a banda. Hoje em dia, como tem muita eletrônica, a gente vai pro estúdio e não pode nem tocar muito, já tá tudo pronto. Na época a gente mexia, dava opinião. A gente conversava muito sobre cada música, procurava sempre ouvi-lo tocando violão e cantando, para poder interpretar com o instrumento, sem tocar demais ou de menos, tocando o que a música pede.

DJALMA CORRÊA
As gravações nessa época corriam de maneira muito livre. A gente não tinha muito aquela coisa amarrada, não tinha muito ensaio, passávamos a música e o couro comia. Tínhamos esse espírito de improvisação, do momento, é uma das características do trabalho com o Gil. Por mais ensaiado que fosse, tinha aquela coisa da verdade do momento. Em "Balafon", por exemplo, eu saí solando, mandando bala, no peito e na raça. E Gil dava asa, é bem o jeito dele, deixar a coisa rolar. Isso acontecia muito.

GIL
As canções foram compostas na volta [da Nigéria], lá não compus nada. Algumas ficaram de fora, mas entraram no repertório do show, como "É" [também foram cortadas do disco "Músico Simples", "Chiquinho Azevedo" e "Sala de Som" –esta, feita para Milton Nascimento].

ROBERTO SANTANA
Foi uma questão de espaço, só cabiam de 36 a 40 minutos no disco. Eu queria 18 [minutos] de cada lado, era como gostava de gravar, por causa da sulcagem [das faixas no vinil], para o estéreo ficar bem definido. A gente fazia o disco imaginando o tempo dele de cada lado. Às vezes tínhamos de modificar a ordem para caber no cassete, porque nele você tinha de ter no máximo 20 segundos a mais no lado A.

GIL
"Patuscada de Gandhy" [do bloco carnavalesco Filhos de Gandhy] e "Ilê Ayê" [do bloco homônimo] entraram por serem ligadas ao conceito do disco, à herança africana. O "Samba do Avião" [de Tom Jobim] também, um samba transformado, relido numa clave funk, Black Rio, uma contingência musical nova que era a transformação dos ritmos negros americanos, caribenhos e brasileiros nessa coisa que estava começando a surgir naquela época.

E tinha algumas outras coisas, como "Aqui e Agora" e "Era Nova", que eram canções da minha lavra na época e que acabaram completando o disco até para efeito de contraste e de abrangência da minha obra e do meu interesse como compositor, não ficar restrito àquela nova descoberta do mundo negro. "Era Nova" eu tinha feito para o Roberto Carlos, não sei por que ele não gravou.

ROBERTO SANTANA
Roberto Carlos nunca quis gravar Gilberto Gil. Só queria saber de Caetano. Deve ter alguma birra aí. Porque Gil também é muito birrento, não é nenhum Jesus Cristo não.

"Ilê Ayê" foi feita por um cara que era barraqueiro no Mercado Modelo, na Bahia, Paulinho Camafeu. Filho de um barraqueiro famoso, Camafeu de Oxóssi. É uma música festeira, a cara da Bahia.

"Refavela", "Sandra" e "Balafon" são minhas faixas do coração. O Gil fez "Balafon" para o instrumento [homônimo], ele ganhou um lá [na Nigéria] e trouxe, mas ele esbagaçou-se na viagem. Djalma Corrêa passou uns três dias na oficina dele consertando para poder tocar.

DJALMA CORRÊA
Eu tenho esse balafon até hoje. No alojamento onde a gente estava [na Nigéria], descobri um mestre balafonista de Gana e disse para o Gil, que quis ir lá na casa dele. Ele começou a tocar, nós começamos a gravar, mas o cara quis que pagássemos. Pagamos, acho que US$ 200. O cara tocou para caramba, depois que ele terminou nós compramos o instrumento dele. Eu comecei a trabalhar nele, fiquei superinteressado, e aí surgiu essa música.

GIL
Em termos de sentido total, a faixa-título é a minha preferida. Tanto que é das poucas que eu mantive com frequência nas temporadas posteriores. E "Aqui e Agora", que é uma música pela qual tenho um apreço muito grande, porque trata dessa questão do autoconhecimento. Tenho várias canções que trabalham nesse campo, "Retiros Espirituais", "Meditação", boa parte do meu repertório é dedicada a esse tipo de especulação. Dessas canções sobre o autoconhecimento, ela está entre as três principais. Ela tem uma dimensão política no sentido de que o autoconhecimento é muito importante politicamente. A questão social não dá conta do desenvolvimento humano, ele depende profundamente do desenvolvimento individual. Ou seja, ioga é política.

PAULO BRAGA
Quando ouvi o LP em casa, não gostei da mixagem. Parecia que estava cheio de sujeira na agulha, tava meio estranho. Quando a gente tocou no estúdio e gravou, o som era um, tava bom pra caramba, tudo em cima. Na hora de mixar, às vezes o cara esconde um ou outro instrumento.

GIL
Foi a única vez que me meti na mixagem. Me arrependi. Não gostei, exagerei no contrabaixo. Achava que tudo tinha de ter mais contrabaixo do que os técnicos haviam determinado. Só fui me redimir desse equívoco anos depois, quando, já na Warner, pedi que eles remixassem, quando relançaram a trilogia "re".

ROBERTO SANTANA
Eu também não fiquei satisfeito, a gente poderia ter feito um disco mais simples, como fizemos em "Eu, Tu, Eles" [2000]. Perinho Santana era bom, mas botava quatro, cinco, seis canais de guitarra em cada música. É a mesma coisa que você morar num apartamento de quatro quartos e se mudar para uma quitinete levando todos os móveis: não vai caber. Eu cortava, deixava no máximo duas guitarras, quando não apenas a guitarra base. Perinho ficou um tempão brigado comigo, depois fez as pazes.

Ainda bem que eu chamei Luigi Hoffer, um dos maiores técnicos do Brasil nessa época, para mixar. Ele era o gerente geral do estúdio, ficava atrás de Chocolate dizendo como fazer. Eu dei muito pouca opinião nessa mixagem. Gil tava ali "quero um pouco mais", "tá demais, Gil", "não tá não, só um pouquinho". Panela que muito mexe, meu amigo, ou sai salgada ou sai sem sal.

GIL
No disco, as reduções que foram feitas foram satisfatórias, o que resulta da guitarra do Perinho é bom. O contrabaixo do Rubão é que era excessivo. Bem [Gil], meu filho, acha que é um elemento de qualificação, mas, para mim, naquele momento, não era.

ROBERTO SANTANA
Mesmo com todos os defeitos técnicos, que realmente existem, é um dos melhores discos que eu fiz. Ele tem uma alma própria, um linguajar, um segmento ideológico interligando cada canção, uma sonoridade que une. Aí eu aprendi que disco não se faz reunindo dez, 12, 14 músicas. Disco, antes de mais nada, tem que ser filosófico. Tem que vender uma ideia. É uma reunião de ideias, de músicas que abranjam o mesmo ambiente.

O disco foi muito bem, entrou para a história da música brasileira. Tanto que, 40 anos depois, estamos falando dele. Gil nunca tinha passado de 2.000, 3.000 discos de pré-venda. "Refavela" arrancou com 11.500 cópias em pré-venda.

GIL
Foi um disco bem-sucedido, incrementou minhas vendas em relação aos anteriores. "Louvação" [1967], meu primeiro disco, deve ter vendido entre 10 mil e 15 mil cópias. "Expresso 2222" [1972], que eu fiz quando voltei de Londres, deve ter alcançado a faixa das 30 mil, 40 mil. "Refazenda" [1975] alcançou entre 50 mil e 60 mil. "Refavela" [1977] tenho a impressão que chegou a 80 mil discos. Isso foi quebrado significativamente como recorde no disco seguinte, "Realce" [1979], que foi para 250 mil, 300 mil discos, um outro patamar.

A crítica em geral não era unânime em relação a nada que eu e meus colegas fazíamos. Acho que é uma birra natural do sistema, jornalistas/críticos de um lado e artistas de outro. Não caía bem para o jornalismo musical só falar bem.

Havia uma espécie de questionamento geral em relação àquele conceito, aquela maneira de encarar a música brasileira, ainda resquícios da velha questão tropicalista, das inovações versus o conservadorismo. "Esse menino aí de novo inventando mais uma dessas histórias", era um pouco isso, tinha um pé atrás. Que já vinha também se manifestando em relação ao Black Rio, como foi com o funk até dois, três anos atrás.

ANDRÉ MIDANI, 85, ex-presidente da gravadora Polygram
Quando o disco foi gravado, suponho que estava na Polygram. Mas, quando foi lançado, eu não estava mais. Eu entrei na Warner em março de 1977. Não tive responsabilidade formal pela gravação do "Refavela". O Gil, como outros artistas de grande importância, sempre teve a liberdade de desenvolver o seu material do jeito que queria.

Fui almoçar com o Gil um dia e ele me disse: "André, se você comprar um ônibus para eu poder viajar com meus músicos, eu assino com sua companhia. Na Polygram eles não estão querendo me dar esse ônibus". O Gil assinou com a Warner com essa condição, e eu dei o ônibus imediatamente.

GIL
Eu cheguei na Warner já com outro status, outro percentual de royalties, tudo já diferente. Aceitei sair da Polygram com a condição de que me dessem um adiantamento substancial para pagar o ônibus velho que andou 20 e tantos mil quilômetros levando a excursão [de "Refavela"]. Foi uma turnê longa, fomos até Belém de ônibus.

ROBERTO SANTANA
Midani e Gil eram amigos apaixonados, foi ele quem fodeu a cabeça do Gil em termos de grana. Gil sentia falta de um real, ele ia lá e dava adiantamento sobre adiantamento, contra todas as regras. Uma vez eu e Armando Pittigliani [também produtor] discutimos com André, mas ele era o presidente da porra, Gil o artista, eu e Armando não éramos nada. Anos depois fui eu que fui para a Warner, André foi me buscar para tomar conta da música latino-americana.

ANDRÉ MIDANI
Eu dei um contrato para o Gil, em 74, 75, segundo o qual ele seria o dono das masters de "Refazenda" e "Refavela". Os discos seriam dele. Tempos depois, ele já na Warner há uns seis meses, um ano, a tia Lea [Millon, tia da mulher de Gil, Sandra, e sua empresária artística à época] apareceu lá e me disse: "Olha, o Gil está precisando de dinheiro e está propondo que você compre as masters desses dois discos". Eu estava à beira de lançar o "Realce" e achei uma oportunidade maravilhosa de engrossar o repertório fonográfico que eu teria, tendo sob o mesmo guarda-chuva os três "re", que foram tão importantes na carreira do Gil e na música brasileira.

GIL
"Refazenda" despertou esse desejo de estabelecer um conceito de retomada, revisita, retorno. O "Refavela" confirmou isso e aí me senti na obrigação de fazer um terceiro momento, para dar sentido à trilogia. Admirava muito trilogias especialmente por causa dos filmes do [cineasta italiano Michelangelo] Antonioni, a trilogia "A Aventura" [1960], "A Noite" [1961] e "O Eclipse" [1962]. Foi com ele que aprendi o sentido da palavra trilogia.

Dos meus 50 e tantos discos, "Refavela" está entre os cinco mais importantes. Tem um internacionalismo que os anteriores não têm. Um resgate da música negra no Brasil, num outro momento da urbanização brasileira. Depois do samba tradicional e da bossa nova, chegava um outro momento de fortalecimento de uma música de matriz negra, num plano mais importante do ponto de vista de mercado, de alcance popular.


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