Folha de S. Paulo


'O Jantar' expõe ecos de guerra civil americana por meio de drama familiar

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Cena do filme 'O Jantar
Cena do filme 'O Jantar'

Os recentes protestos de racistas brancos em Charlottesville escancararam as feridas ainda abertas da Guerra Civil americana. O filme "O Jantar", de Oren Moverman, estreia nesta quinta-feira (7) no Brasil e traz à tona os ecos desse conflito fratricida por meio de um drama familiar.

Richard Gere vive Stan, congressista americano num momento-chave de sua carreira política. Steve Coogan faz Paul, seu irmão, um ressentido professor de escola.

Distantes, os dois e as respectivas mulheres precisam chegar a um acordo sobre o que fazer em relação aos filhos adolescentes de ambos, que acabam de se envolver numa enrascada.

O conchavo, carregado de tensão, se dá num restaurante caro, onde praticamente toda a trama se passa, entre pratos de apresentação duvidosa.

Stan, que no início do filme parece se anunciar como mais um clichê do político insensível, passa a revelar suas nuances ao longo do jantar. E Paul, apresentado como uma bússola ética, se prova não tão moral assim.

"Gosto da ideia de apresentar pistas e depois desconstruir uma imagem que se formou na cabeça do público", afirma Gere à Folha, por telefone. "Na superfície, Stan parece um político tradicional, mas é ele o verdadeiro centro moral da trama."

O embate entre os dois irmãos ganha novas camadas quando o longa abre um flashback e põe os dois personagens em Gettysburg, na Pensilvânia, local que, em 1863, sediou a mais sangrenta das batalhas da Guerra de Secessão (1861-65) e que sinalizou o começo da derrocada do Sul escravista para o Norte industrial.

Além de uma analogia com a rivalidade entre os irmãos, Overman usa o episódio como um signo de pecado original da sociedade americana, com reflexos que ganham força na Era Trump via marcha de supremacistas e acirramento do racismo.

O presidente americano é um prato cheio para as críticas de Gere na entrevista.

"É um choque termos essa vergonha nacional na Casa Branca", diz o ator. "Por sorte nossa democracia é um sistema de pesos e contrapesos que pode absorver uma presença negativa como Trump."

No Festival de Berlim, onde o filme foi apresentado em fevereiro deste ano, o ator brincou que jamais jantaria com o mandatário americano. "Eu nem sequer seria convidado para esse jantar."

MALQUISTO

Gere afirma que também tem sido desconvidado de outros eventos. Conhecido pelo ativismo social, o ator budista é um dos mais vistos apoiadores do Dalai Lama e da independência do Tibete, causa que, segundo ele, tem-lhe custado papéis no "cinemão".

À revista "The Hollywood Reporter" Gere disse ter recebido vários "nãos" de estúdios, temerosos de que a China, hoje fundamental para as bilheterias, barre filmes protagonizados por um ardoroso defensor da emancipação de um de seus territórios.

Seja por isso ou não, o ator de "Uma Linda Mulher" e "Chicago" tem de fato enveredado nos últimos anos por produções menores e mais autorais, e não raro com alguma carga social, como "O Encontro" e "A Negociação".

"Não me acho melhor por me importar com causas sociais", afirma o ator. "Mas tenho feito filmes nesse tom porque gosto da ideia de saber que as pessoas vão conversar sobre eles depois que terminarem."

"O Jantar", diz, não escapa de refletir sobre grandes questões contemporâneas. "Vivemos em um mundo caótico e somos forçados a refletir sobre os limites das nossas responsabilidades. Não há ninguém que se possa dizer desconectado de todo o resto."


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