Folha de S. Paulo


Festival de cinema de Veneza destaca o protagonismo de personagens idosos

Divulgação
Carmem Luciana Rodrigues (1923-2017)
Donald Sutherland e Helen Mirren em cena do filme "The Leisure Seeker"

Pelas ruas do Lido, já se entreouve o apelido deste Festival de Veneza: "edição da terceira idade". Após "Nossas Noites", sobre o romance entre vizinhos idosos (Jane Fonda e Robert Redford), a mostra italiana trouxe no domingo (3) dois filmes destacando questões dessa faixa etária.

"The Leisure Seeker", de Paolo Virzì, mostra a viagem de trailer de um casal de velhinhos. E "Victoria e Abdul", de Stephen Frears, apresenta a amizade de uma velha rainha com um súdito indiano.

Muito aplaudido na competição oficial, "The Leisure Seeker" traz Helen Mirren no papel de uma mulher que tem câncer, mas arranja forças para cuidar do marido (Donald Sutherland) com Alzheimer. Mas não é um filme depressivo: a dupla vive instantes solares numa aventura pelo sul americano. No caminho, testemunha cenas dos EUA atual, em que imigrantes tentam uma nova vida e a classe média faz passeata pró-Trump.

"Amo a personagem porque ela enfrenta o fim da vida cheia de energia", disse Mirren a jornalistas. "E espero me manter assim até meu final."

É o primeiro filme do italiano Virzì ("Loucas de Alegria") nos EUA. "Há momentos em que um olhar estrangeiro é melhor para uma cultura, dá uma nova profundidade", afirmou a atriz.

"[Para compor um painel dos EUA] Incluí Hemingway, a tradição do road movie e até a questão Trump. Se bem que esta última não está bem no mesmo nível", disse o diretor. "Achei relevante mostrar essa América que está mudando, que os protagonistas talvez não reconheçam mais."

A atuação de Mirren já a faz despontar como favorita à Coppa Volpi de melhor atriz. Mas ela teria em Judi Dench uma rival à altura se "Victoria e Abdul" não estivesse em Veneza fora de competição.

Victoria and Abdul

No longa, Dench faz sua especialidade: uma monarca britânica. A divertida comédia de Frears traz luz a um fato pouco conhecido da vida da rainha Vitória: sua complexa relação afetiva com um rapaz indiano, que a torna mais próxima de suas colônias.

A interação racial é um dos temas. "É como 'Minha Adorável Lavanderia', só que, em vez de Daniel Day-Lewis, temos Judi Dench", brincou Frears, sobre seu filme de 1985.

Também com os olhos no passado, mas sem deixar de refletir sobre o presente, o francês Robert Guédiguian exibiu em competição o belo "La Villa", em que advoga os valores de sempre: empatia e solidariedade. E inclui a questão dos refugiados na Europa.

A trama começa com uma situação-clichê: um homem à beira da morte força os três filhos a se reunirem, em um acerto de contas familiar. Mas o longa tem como foco uma vila em que, antes, se tinha um estilo de vida mais atento ao "outro". Defende o resgate de um passado ao qual parece cada vez mais difícil retornar.

"Tendemos a achar obsoleta uma série de ideias importantes de antigamente", disse Guédiguian. "Mas é preciso assimilá-las de modo crítico."


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