Folha de S. Paulo


Ai Weiwei lança documentário 'Human Flow' no Festival de Veneza

Daryan Dornelles/Folhapress
Ai Weiwei retratado durante visita ao Brasil no início de agosto
Ai Weiwei retratado durante visita ao Brasil no início de agosto

Um dos artistas mais populares e controversos da atualidade, o chinês Ai Weiwei, 60, compete com um documentário no Festival de Veneza, que começa nesta quarta (30).

Com 140 minutos, "Human Flow" segue refugiados pelo mundo –"Porque eu mesmo fui uma espécie de refugiado quando criança", diz Weiwei.

Seu pai, poeta, foi mandado para um campo de trabalho chinês com a família quando o artista tinha um ano. "Compartilho do sentimento das pessoas que perderam o controle da própria vida", disse à Folha, há 15 dias, no Rio, após passagem por São Paulo.

Atualmente morando em Berlim, o chinês esteve no Brasil para conhecer os locais onde sua exposição deve passar no segundo semestre do ano que vem. Antes, irá expor na Argentina e no Chile.

Em São Paulo, sua mostra será na Oca, no Ibirapuera.

*

FOLHA - Quando o sr. morou nos EUA, entre 1981 e 1993, se tornou um jogador contumaz de blackjack, certo? Qual é seu melhor conselho para não se perder dinheiro nisso?

AI WEIWEI - Não jogue (risos). Eu jogava em cassinos a todo momento. Se você jogar com sabedoria, quanto mais vencer, mais chances tem de perder, porque a probabilidade está aí. Também porque você acaba jogando contra si mesmo, contra seu controle e disciplina, o que torna o jogo entediante e você se transforma em uma máquina. Não há criatividade nisso, só superdisciplina.

Por que o senhor fez o documentário "Human Flow", que estreia em 1/9 em Veneza?

Porque eu mesmo fui uma espécie de refugiado quando criança. Meu pai era poeta e foi punido por isso. Foi enviado para um campo de trabalho e por 20 anos ele não teve autorização de escrever nem uma só palavra e isso foi durante a minha juventude. Então compartilho do sentimento das pessoas que perderam o controle da própria vida.

O que, nas histórias do documentário, mais o tocou?

Todas aquelas crianças não choram, quando estão no meio da noite, num barco no meio da escuridão. Quando você vê, os voluntários os ajudam a descer, puxam os barcos e todos pulam, ficam tão molhados que não conseguem andar. Sempre há crianças que ficam "cadê a mãe?". Muitas estão desacompanhadas porque as famílias as mandam sozinhas, já que só têm dinheiro para pagar o barco para as crianças. Elas ficam em choque, com medo; mesmo assim as crianças não choram.

Sua exposição no Brasil será uma retrospectiva?

Há importantes trabalhos antigos, mas quero adicionar obras novas, porque os espaços são bem maiores no Brasil e gosto do desafio de produzir trabalhos sobre o meu entendimento da América do Sul.

O senhor irá produzir algo especialmente para o Brasil?

Sim e quero produzir algo aqui, por isso preciso de um ano. Nós vimos vários artistas locais, artesãos, em todos os lugares fizemos isso. O Carnaval, as escolas locais, as comunidades, quero saber como é, entender o local.

Qual sua impressão da gente?

É um país com uma quantidade inacreditável de recursos naturais, repleto de luz do sol e frutas. A vida é fácil ou deveria ser, porque as pessoas são amigáveis. Claro, não estou falando da situação política, mas do ambiente, as pessoas são bem relaxadas e abertas.

Um dos seus trabalhos mais famosos, pelo menos aqui no Brasil, é a destruição da urna de cerâmica da dinastia Han, registrada em três fotos de 1995. Ela era realmente da dinastia Han (206 aC – 220 dC)?

Ah, sim, são facilmente adquiridas em mercados de antiguidades. Eu coleciono algumas antiguidades chinesas.

A que o senhor espatifou no chão era da sua coleção? Sabe quanto isso custaria?

Era. Aquele tipo não tem um preço muito elevado.

Algo em torno de US$ 10 mil?

Não, não, talvez por volta de US$ 1.000 (cerca de R$ 3.160).

Quais são suas expectativas para o futuro da China?

Eu costumava dizer que levaria de três a quatro anos para mudar, mas está piorando. Meus advogados estão na prisão, eu estou fora, a internet ficou ainda mais controlada do que antes. Liberdade se tornou algo extremamente complicado, então é muito difícil esperar qualquer mudança em pouco tempo.

Há oito anos o senhor teve que fazer uma cirurgia no cérebro.

Uau. Foi em 2009, não posso acreditar que já faz oito anos...

Isso aconteceu porque o senhor apanhou da polícia?

Sim. Arrombaram a porta do hotel, eu estava dormindo. Eu ia ao tribunal testemunhar a favor de um ativista na investigação da morte dos estudantes no terremoto [em Sichuan, em 2008, que matou 69 mil pessoas; o governo reteve informação, e ativistas publicaram nomes de mortos]. Tinha o dever de apoiá-lo, ele seria condenado porque o governo queria abafar o caso.

Essa foi a única vez que o sr. apanhou da polícia?

Sim, um golpe na cabeça, com aquele bastão de metal retrátil, que fica comprido.

No início dos anos 2000, o sr. foi convidado a projetor o Estádio Olímpico de Pequim. Dez anos depois, foi preso por suposta evasão fiscal. Como aconteceu essa reviravolta?

Em 2002, eu havia me juntado a uma empresa suíça na competição para projetar o estádio, então não foi um convite do governo, vencemos em 2003. Em 2005 e 2006, meu blog se tornou uma loucura e, em 2008, teve o terremoto.

O sr. procurou ser um alvo?

Não, nunca. Comecei a escrever no meu blog, o blog foi crescendo, foi ficando popular, todos diziam "olha esse cara, ele fala de tudo do regime chinês que ninguém critica". Eu achava que o pior que podia acontecer era desativarem meu blog. Mas colocaram um saco preto na minha cabeça e me levaram para algum tipo de lugar secreto. Os interrogatórios são intermináveis, passei por 50 interrogatórios, realmente tentam acabar com você psicologicamente.

O sr. foi procurar ajuda psiquiátrica após a detenção?

Não, eu não fui. Na China não tem psiquiatras.

Não acreditam em Freud?

Não (risos). Eles são budistas e eu sou bem forte, deve ter deixado algumas marcas no meu cérebro, mas não sei.

*

ESCALAÇÃO POP
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