Folha de S. Paulo


Peça 'Tchékhov É um Cogumelo' reúne memórias e três gerações de atrizes

Lenise Pinheiro/Folhapress
Diretor usa equipamento que capta atividade cerebral
Diretor usa equipamento que capta atividade cerebral

Para retratar uma gama de memórias, André Guerreiro Lopes decidiu ser, ele próprio, um elo entre essas lembranças. Em "Tchékhov É um Cogumelo", peça em cartaz em São Paulo, o diretor cria um espetáculo em camadas.

Trata-se de uma adaptação da obra "As Três Irmãs", de Tchékhov, mas também do encontro entre três gerações de atrizes (Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon) e do resgate de uma entrevista em vídeo que Lopes fez em 1995, quando ainda era estudante, com o diretor Zé Celso.

E é Lopes quem conecta todos esses estratos; mais precisamente, sua mente: sentado na lateral do palco, ele medita utilizando uma espécie de capacete com eletrodos.

A engenhoca criada por Gregory Slivar capta sua atividade cerebral, ativando elementos da cena, como caixas de som. As bacias d'água sobre as caixas se movem, criando desenhos de luz no palco.

A alusão à mente não está apenas ligada às lembranças mas também a questões levantadas por Zé Celso na entrevista de 1995. Na ocasião, sentado sobre a grama do parque Ibirapuera, em São Paulo, ele discute a montagem de seu Teatro Oficina para "As Três Irmãs", em 1972, quando se fez uso de alucinógenos como a mescalina.

Lopes relacionou isso à meditação (que pratica há 20 anos) depois de ver um estudo que comparava o estado meditativo de monges budistas com o efeito de alucinógenos. "Eles ativam as mesmas áreas do cérebro", diz.

Lenise Pinheiro/Folhapress
As atrizes Djin Sganzerla, Helena Ignez e Michele Matalon em cena do espetáculo 'Tchékhov É um Cogumelo
As atrizes Djin Sganzerla, Helena Ignez e Michele Matalon em cena do espetáculo 'Tchékhov É um Cogumelo'

Trechos do vídeo com o diretor do Oficina são projetados numa tela translúcida à frente do palco e alternam-se com as cenas ao fundo, com o elenco do espetáculo.

Estas, criadas a partir de improvisos com Djin, Helena e Michele, trazem diálogos de "As Três Irmãs", movimentos coreografados (acompanhados pelos bailarinos Samuel Kavalerski e Fernando Rocha) e cantos tradicionais russos.

O cenário, com tubos ao fundo e pendendo do teto, lembra instrumentos musicais e também elementos da natureza, aos quais Tchékhov alude em seu texto e sobre os quais Zé Celso comenta no vídeo –é dele, por sinal, a frase que dá nome à peça; em dado momento, diz que Tchékhov, por sua relação com o meio ambiente, "é como uma planta, um cogumelo".

São imagens sensoriais, pouco diretas, mas que remetem ao estado de apatia das protagonistas da peça tchekhoviana –que sonham, mas nunca conseguem sair da província e partir para Moscou.

"O espetáculo vem também de uma grande inquietação com tudo o que a gente está vivendo no país, um desânimo com essa crise institucional", afirma o diretor.

Mas Lopes coloca uma ponta de esperança na montagem. Os mascarados, espécie de sombra que ronda as irmãs de Tchékhov, dando a sensação de que irão invadir sua casa (mas nunca o fazem), aqui são representados por jovens do projeto Embatucadores, que fazem música com materiais recicláveis no Jardim Vista Alegre, zona norte paulistana.

Eles, sim, "invadem" o palco tocando seus instrumentos de garrafas e tambores. Porém, não soam como ameaça, mas como novos ventos.

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TCHÉKHOV É UM COGUMELO
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom. e feriados, às 18h; até 8/10
ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11) 3234-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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