Para homenagear Ariano Suassuna (1927-2014) no ano em que completaria nove décadas, o grupo Barca dos Corações Partidos não se debruçou sobre um espetáculo biográfico ou uma adaptação da obra do escritor paraibano.
Em "Suassuna - O Auto do Reino do Sol", musical que estreia nesta semana em São Paulo após temporada no Rio, buscou-se uma história original que refletisse o universo do autor de "A Pedra do Reino" e "O Auto da Compadecida".
O texto de Braulio Tavares, escritor e pesquisador de literatura fantástica, traz as mesmas métricas de Suassuna (sextilhas, septilhas, décimas) e o "imaginário" do escritor: o artista popular, o homem sertanejo, causos amorosos, quiproquós, a gargalhada profunda e também a dor.
Chegou-se à história de uma trupe mambembe que viaja à cidade onde fica a fazenda dos Suasssuna, Taperoá, para apresentar um espetáculo em sua homenagem. Tudo é feito como num picadeiro, remetendo ao "palhaço frustrado" que o autor dizia ser.
"É uma companhia atemporal, um circo da memória, dos sonhos", comenta Luiz Carlos Vasconcelos, convidado a dirigir a montagem.
Silvana Marques/Divulgação | ||
Barca dos Corações Partido como os personagens de "Suassuna - O Auto do Reino do Sol" |
O encenador aplica aqui o conceito de tabuleiro cênico que utiliza desde 1998 nos trabalhos com seu Grupo Piollin, na Paraíba, muito inspirado por obras como "Avalovara", de Osman Lins, e o quadrado Sator (poema que permite diversas ordens de leitura).
Buscando uma espécie de proporção áurea no teatro –padrões matemáticos para se atingir a beleza–, ele cria as cenas e os percursos dos atores de acordo com as divisões de quadros que faz sobre o palco, como num tabuleiro.
E afirma encontrar respaldo para tal formato na própria obra de Suassuna. "Tem uma frase linda na 'Pedra do Reino' que diz: 'Por isso, o mundo me parece uma mesa, e a vida, um jogo'."
CALDEIRÃO
Assim como o caldeirão de referências que o inspira, "Suassuna" foi criado de forma colaborativa, no processo de ensaio e pesquisa do grupo –as músicas são assinadas por Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho, estes dois últimos, integrantes da Barca dos Corações Partidos.
De improvisos nasceu, por exemplo, a música que abre o espetáculo (e que seria originalmente um texto narrado) e os repentes, antes um estudo, que o elenco incorporou ao espetáculo, criando versos novos a cada sessão.
No início do ano, excursionaram pelo Nordeste, acompanhados por Dantas Suassuna, filho do escritor, em locais como a Pedra do Ingá, bloco com inscrições rupestres, na Paraíba, que marcou o autor. "A gente começou a reconhecê-lo [Suassuna] nessas coisas", diz Del Penho.
Da viagem, também trouxeram influências de animais da região, como o calango, cujo movimento auxiliou na composição de um palhaço, e o carcará, que inspirou a criação de uma velha sertaneja.
Escarafunchando a obra do autor, ainda pinçaram fatos das aulas-espetáculo que Suassuna costumava dar –e que se popularizaram em vídeos na internet. Como uma em que fala sobre como sua avó odiava Pedro Álvares Cabral: não fosse por ele, ela teria nascido na Europa.
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SUASSUNA - O AUTO DO REINO DO SOL
QUANDO sex. e sáb., às 21h; dom. e feriados, às 18h; até 1º/10
ONDE Sesc Vila Mariana, r. Pelotas, 141, tel. (11) 5080-3000
QUANTO R$ 12 a R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 12 anos