Folha de S. Paulo


Pela primeira vez, artista indígena é protagonista no Teatro Amazonas

Bruno Kelly/Folhapress
A cantora indigena Djuena Tikuna de 32 anos pousa para foto no Teatro Amazonas em Manaus. Djuena será a primeira cantora indígena a se apresentar no tradicional Teatro Amazonas, em Manaus. Ela canta na sua lingua, a etnia Tikuna.
A cantora Djuena Tikuna será a primeira indígena a se apresentar no tradicional Teatro Amazonas

Inaugurado há quase 121 anos como reduto da alta cultura europeia no meio da selva amazônica, o Teatro Amazonas abrirá seu palco pela primeira vez para uma apresentação produzida e protagonizada por uma indígena.

A façanha histórica de Djuena Tikuna, 32, terá lugar nesta quarta (23). "É uma conquista coletiva. Sou uma cantora do movimento indígena", diz Djuena, rosto pintado e adorno de penas no cabelo, no café anexo ao teatro.

O espetáculo marca o lançamento do álbum "Tchautchiüãne" ("minha aldeia"), com músicas só na língua ticuna –a maior etnia do país, com cerca de 54 mil pessoas.

No palco, Djuena Tikuna receberá convidados especiais de outros dois povos. Com entrada gratuita, a expectativa é de uma grande presença de "parentes" (como os índios se referem uns aos outros) também na plateia do teatro, muitos pela primeira vez ali.

"Eu não entro no teatro e vejo a beleza. Eu penso: quantos parentes derramaram sangue por causa desse local", diz a cantora, falando sobre o prédio erguido com o dinheiro da borracha, cuja exploração matou e escravizou indígenas.

"Vou cantar aqui pra bater os nossos pés, cantar e dizer que estamos aqui, resistindo."

Djuena nasceu em uma aldeia próxima a Tabatinga (AM), na tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Aos sete, ainda sem falar português, desceu descalça do barco em Manaus com a mãe e irmãos para se reunir ao pai, que era segurança de banco.

Na capital, enfrentou o preconceito na escola. Na juventude, envolveu-se com teatro e com outros artistas ticunas do grupo Wotchimaücü,entre os convidados desta noite. Hoje, além de cantar e compor, ela cursa jornalismo.

Suas letras, explica, falam sobre o ambiente, demarcação de terras e outros temas ligados aos direitos indígenas. A opção de não cantar em português também é política.

"Alguns povos não falam mais a sua língua. Já pensou se canto em português? Os jovens que estão me assistindo vão querer me imitar. Mesmo na cidade, temos de manter a língua e a identidade."

"Ela é muito talentosa, e a apresentação tem um forte significado", afirma o escritor Milton Hatoum, que cresceu na vizinhança do teatro. "Muito manauras ignoram a importância da cultura indígena numa cidade quem tem o nome de uma etnia indígena."

"Djuena não é aquela índia pintada romanticamente nas telas do salão nobre do teatro. A gente tem de lutar contra essa visão estereotipada e romantizada dos outros", diz o autor de "Dois Irmãos".

DJUENA TIKUNA
ONDE Teatro Amazonas (av. Eduardo Ribeiro, 659)
QUANDO 20h (horário local)
QUANTO grátis


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