Folha de S. Paulo


Marketing não deveria comandar Lei Rouanet, diz diretor do Sesc

Eduardo Knapp/Folhapress
Danilo Miranda, diretor regional do Sesc-SP
Danilo Miranda, diretor regional do Sesc-SP

Com uma unidade recém-inaugurada no centro paulistano, na rua 24 de Maio, e várias outras a caminho, o diretor-regional do Sesc-São Paulo, o ex-seminarista e gestor cultural Danilo Santos de Miranda, 74, já se acostumou com o apelido de "verdadeiro ministro da Cultura do Brasil".

O orçamento da instituição neste ano é de R$ 2,3 bilhões (parte da receita vem da cobrança sobre folhas de pagamento; veja quadro abaixo). Já a pasta em Brasília teria quase R$ 2,7 bilhões (não fosse o congelamento de verbas).

No cargo desde 1984, Santos de Miranda afirma à Folha que "trabalha pensando como se nunca fosse sair daqui", ao ser questionado sobre uma eventual aposentadoria.

Diz que nunca foi convidado para ser ministro, que não teria "entusiasmo" pelo cargo no quadro atual e que a cultura não deve ser só administradora de artes e patrimônio.

Ele também defende mudanças na Lei Rouanet e critica a influência dos departamentos de marketing das empresas na destinação de verbas. Em 2016, esse que é o principal mecanismo de fomento à cultura do país injetou cerca de R$ 1,1 bilhão no setor.

"Seria melhor que houvesse um fundo com parte dos recursos dessas leis a ser investidos por decisão do administrador público, com critérios, mais equânime", afirma.

*

Folha - O sr. já declarou que nunca foi convidado para ser ministro da Cultura. Gostaria?

Danilo Miranda - Nunca, nunca. Fui cogitado várias vezes, mas não por quem tem o poder de convidar [risos]. Toda ação é política, mas nunca me envolvi na política partidária. Só iria no caso de um projeto mais amplo, de cultura que representasse crescimento e desenvolvimento na administração pública. Hoje, a cultura é vista como administração de artes e patrimônio.

O que precisaria mudar?

Precisa ter papel mais relevante, na educação, nos planos econômicos. Jacques Lang, quando foi convidado pelo então presidente François Mitterrand a ser ministro da Cultura, respondeu: "só aceito se for o primeiro-ministro da Cultura, para tudo".

A Cultura tem que estar presente na discussão sobre presídios, drogas, hospitais. Já compartilhou um único ministério com a Educação, hoje tem seu próprio ministério, o que acho bom, mas tem que trabalhar com Educação também. Nesse quadro atual, não teria nenhum entusiasmo.

Desde o século retrasado, governos se preocupam mais com o ensino superior, onde só chega uma minoria, que com o ensino fundamental. Na política cultural, não acontece o mesmo, os impostos pagam a cultura da elite?

Para mim, a cultura deveria trabalhar mais no campo do fomento do que na realização. Não é distribuir dinheiro para que os artistas realizem seus projetos. É pequeno. A lei de incentivo precisa ser aprimorada e desenvolvida. A indústria cultural não pode prevalecer sobre o interesse público. Só se tivesse relevância.

Como fazer isso?

As leis de incentivo distribuem recursos atendendo também a interesses empresariais. Acho que a balança com os dois pratos deveria pender mais para o interesse público. Na prática, não acontece, são os departamentos de marketing que têm mais poder. Fica tudo concentrado no eixo Rio-São Paulo.

Seria melhor que houvesse um fundo com parte dos recursos dessas leis a ser investidos por decisão do administrador público, com critérios, mais equânime.

A Cultura sofreu cortes nos mandatos de Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Juca Ferreira, mas parece que a classe artística só se mobilizou contra ministros da pasta no governo Temer. Houve partidarização?

Hoje, os cortes são generalizados. Antes, eu achava que o problema dos recursos para a cultura era de má gestão. Hoje, falta tudo.

O sr. está há 33 anos no cargo. Não pensa em se aposentar?

Já deveria pensar, mas não penso. Gosto de trabalhar nas tensões e contradições. Penso que posso ser demitido hoje pelo presidente da Federação do Comércio [Abram Szajman], que tem essa prerrogativa. Trabalho pensando como se nunca fosse sair daqui. Nas novas unidades, no dia a dia, na programação. Penso que ainda tenho muita energia.

Sucessões têm sido dramáticas no Brasil, dos sucessores se voltando contra quem os indicou, ou dos líderes que não formaram ninguém. O sr. pensa nisso?

O bom gestor cuida da ação atual e prepara pessoas em seu entorno que possam assumir seu papel. Penso estar fazendo isso. Vários poderiam me substituir. Mas sou realista. Não vou decidir quem vai me suceder. Provavelmente, será quem suceder o Szajman. Mas temos muitos quadros preparados aqui.

No momento de crise, há várias vozes pedindo o corte da contribuição compulsória ao chamado "sistema S", do qual o Sesc faz parte. Daria para mudar esse imposto?

Mataria essas instituições. Não dá para sobreviver só com a contribuição dos usuários. Lazer, saúde, cultura e educação são direitos essenciais que precisam ser mantidos.

É um modelo exemplar e admirado em todo o mundo. Há problemas, sim, seres humanos erram, até na Igreja. Mas, no meio de escândalos diários, é raríssimo algum deles atingir o sistema S. Não é uma caixa preta, como dizem.

O empresariado reunido propôs ao Estado esse sistema. Foi uma proposta voluntária, ainda no governo Vargas, com o Senai. Depois, com o Dutra, surgem Sesi, Senac e Sesc.

Os próprios empresários sugeriram que fosse uma contribuição compulsória, de 1,5% da folha de pagamento dos setores de comércio e serviços, para o bem-estar do trabalhador.

No resto do Brasil, porém, o Sesc não se tornou a grande referência cultural que é em São Paulo. É problema de gestão?

O mais relevante em muitos Estados ainda é o que o Sesc faz. Mas a mídia está muito concentrada aqui em São Paulo, não é de hoje, então só o que acontece aqui repercute.

E aqui a arrecadação é maior, é normal que façamos mais. Mas nos antigos territórios, Amapá, Rondônia, os únicos teatros à época eram os do Sesc.

Por que a construção da unidade na 24 de Maio demorou tanto? Foi anunciada em 2002.

A aprovação da obra do prédio foi complicada e lenta. Tiramos a cúpula, construímos as lajes, que chamamos de praças superpostas.

Tem as exigências de qualquer construção no centro de São Paulo. Há muitos cuidados, de bombeiros à prefeitura paulistana, que são aprimorados, mas são mais lentos do que deveriam.

A decisão de colocar a piscina no alto também. É muito pesada. Tivemos que reforçar as fundações, criar quatro colunas muito largas, o prédio teve que afundar mais, o que abalava o entorno, de prédios mais antigos. Isso retardou. Tivemos que fazer estudos de viabilidade.

De quem foi a ideia da piscina?

Foi nossa, do Paulinho [o arquiteto Paulo Mendes da Rocha] e minha. A obra mesmo [que consumiu R$ 120 milhões] só começou em 2009, e é difícil, não entra caminhão pesado no calçadão, tivemos que tirar muito entulho, fazer as lajes no vazio só à noite. A construtora que venceu a concorrência teve problemas de caixa. Só dá para abrir quando está perfeito.

Alguns curadores queriam ocupar o prédio como estava, pré-reforma, essas ocupações dos anos 1960, que tanta gente gosta. Eu respeito, mas uma entidade que vive da contribuição compulsória das empresas precisa fazer um projeto acabado, e atrair muita gente.

Mais uma vez, dizem que um centro cultural e esportivo, como o novo Sesc, vai "revitalizar" a área. Mas Praça das Artes, Sala São Paulo e Pinacoteca pouco mudaram seus entornos. Dezenas de prédios vazios, e um deserto à noite e nos finais de semana. O que ainda falta?

Acho que há uma rede boa de equipamentos culturais, como esses que você citou, e também o Centro Cultural Banco do Brasil. Têm ótima programação e, de fato, melhoram o entorno.

Veja o Sesc Belenzinho. Saímos da Paulista e fomos para a zona leste, a maior da cidade, e não tão bem servida. Houve uma revisão da vizinhança. A pizzaria vizinha melhorou, a oficina mecânica mudou a fachada, as pessoas começaram a varrer as calçadas, a do cemitério era depósito de dejetos. Na 24 de Maio, um minimercado já foi aberto.

Mas o temor quanto à segurança e as ruas desertas a partir de um horário continuam.

Há um temor nas ações noturnas, as ruas ainda ficam vazias nos domingos e à noite. Temos que oferecer mais vigilância, mais segurança para quem vem. Tem que ter mais gente morando, mais lazer de qualidade, e não só no plano vulgar. Temos que nos perguntar porque ainda fica vazio fora do horário comercial.

Como diz o Paulo Mendes da Rocha, o medo induz o fascismo. Temos que resistir.


Endereço da página:

Links no texto: