Folha de S. Paulo


Brasileiros criam base de música para projeto de inteligência artificial

Leo Caldas/Folhapress
O cientista da computação Giordano Cabral

O Brasil desponta na linha de frente de um projeto de criação musical com recursos de inteligência artificial, o Flow Machines. Trata-se de um painel que oferece diversas ferramentas de criação artística para músicos, tendo como ponto de partida para seus algoritmos o jazz, o pop e a música brasileira.

A plataforma de tecnologia, encabeçada pelo cientista francês François Pachet, ganhou uma base regionalista, o Brazyle, articulado pelo cientista da computação brasileiro Giordano Cabral e lançado no início deste mês em Recife.

"A música brasileira tem uma complexidade e riqueza muito grandes que fazem dela uma das mais desafiadoras para esse tipo de algoritmo", diz Cabral, que é professor de computação musical da UFPE e vice-presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar).

O Flow Machines foi um projeto de cinco anos financiado pelo Conselho Europeu de Pesquisa (ERC), atribuído a François Pachet e hospedado pela Sony e pela Universidade de Paris. Através de um aprendizado de máquina com exemplos musicais –como, por exemplo, todas as composições de Tom Jobim–, a plataforma identifica padrões de artistas e estilos e os reproduz ao gerar novas composições, evitando plágios.

Leo Caldas/Folhapress
François Pachet, especialista em produção musical a partir de inteligencia artificial
François Pachet, especialista em produção musical a partir de inteligencia artificial

O processo é feito utilizando ferramentas como o Flow Composer, que ajuda a escrever composições, e o Record, que facilita rearranjos e transposições de um estilo a outro. "O Flow Machines é uma ferramenta de criação, não de automatização, é para dar bons 'insights'", explica o professor.

Cabral cita o autodidatismo e o distanciamento da teoria clássica fatores que dificultam a utilização de um algoritmo genérico aos gêneros regionais, "desde a bossa nova até o maracatu". Para a criação da base de exemplos de música brasileira, 15 músicos profissionais gravaram 103 composições representativas do repertório nacional, além de 180 trechos de batidas, levadas, ritmos e fraseados.

As cerca de 200 horas de gravação foram realizadas pela empresa de computação musical Daccord, fundada por Cabral, em um estúdio do Centro de Empreendedorismo e Tecnologias da Economia Criativa (Portomídia), braço do Porto Digital pernambucano. "Foi um esforço para que uma tecnologia de real impacto no mundo possa ter como base a música brasileira também", diz Cabral.

Para mostrar o que já pode ser feito com as ferramentas, Cabral exibe rearranjos para "Billie Jean", de Michael Jackson, e "A Day in a Life", dos Beatles, transpostos para o cavaquinho e violão de sete cordas ao estilo de "Conversa de Botequim", de Noel Rosa.

Flow Composer

Já Pachet conta que ficou muito feliz ao ver que um compositor como Ivan Lins poderia achar o recurso interessante. O francês mostrou-lhe uma versão de "Começar de Novo" com harmonia no estilo do [grupo a capella] Take 6.

Em setembro de 2016, os pesquisadores lançaram "Daddy's Car", música produzida pelo compositor francês Benoît Carré e gerada com recursos de inteligência artificial emulando o estilo dos Beatles. Um ano depois, já com o projeto finalizado desde julho, uma coletânea com composições de diversos artistas usando o Flow Machines pretende servir de termômetro para a recepção do público.

"A 'Suíte da Illiac' [criada em 1957 e considerada a primeira partitura composta com ajuda de computador] existe há décadas, mas é uma música chata", diz Cabral. "Passar no crivo das pessoas é o maior desafio."


Endereço da página:

Links no texto: