Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Argonautas', de Maggie Nelson, é uma linda declaração de amor

Divulgação
A escritora americana Maggie Nelson
A escritora americana Maggie Nelson

ARGONAUTAS (ótimo)
AUTORA Maggie Nelson
TRADUÇÃO Rogério Bettoni
EDITORA Autêntica

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Aclamado no exterior, "Argonautas", de Maggie Nelson, chega ao Brasil fortalecido pelos comentários entusiasmados dos leitores. Aqui, o livro passa a integrar a Coleção Argos –coordenada pelo editor e tradutor Rogério Bettoni, ela reúne obras com temática queer.

Descontado todo o burburinho, "Argonautas" é uma linda declaração de amor.

Citando Roland Barthes, a escritora americana argumenta que aquele que diz "Eu te amo" é semelhante ao "Argonauta que renova seu navio durante a viagem, sem lhe mudar o nome".

As peças do barco seriam modificadas sem que o próprio barco se modificasse, e o mesmo aconteceria com o sentido da expressão. Isso porque "a tarefa do amor e da linguagem consiste em dar a uma mesma frase inflexões sempre novas".

É o que Nelson faz. Para isso, escolhe subverter e renovar uma série de práticas, ordens e sentidos, inclusive, ou sobretudo, os gêneros literários. Encadeando memórias, insights e citações de tamanho variável –cuja ligação nem sempre é aparente–, ela se dirige ao marido, o artista Harry Dodge.

Nelson fala sobretudo do casamento e da concepção do filho do casal. Enquanto o organismo de Maggie mudava com a gravidez, o de Harry, uma pessoa de gênero fluido, mudava com a terapia hormonal. Dois corpos que continuam a se descobrir, e a mudar, enquanto envelhecem.

Maggie questiona até que ponto deve-se acolher ou rejeitar os rótulos. A conclusão é um meio-termo, embora "Argonautas" abra espaço para que "uma experiência de desejo individual preceda uma categoria".

Todo entusiasmo em torno de "Argonautas" se justifica, mas dizer onde reside seu encanto não é tarefa fácil. É visível que Nelson abomina o clichê: há sempre há um descompasso entre o que se espera que ela diga e defenda e o que ela de fato diz e defende a cada novo trecho. Mesmo os autores citados –que vão de Winnicott a Judith Butler–, às vezes ganham uma interpretação sui generis. O resultado é enigmático e singular, mas sobretudo belo.

Argonautas
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Como Maggie Nelson intui depois de visitar uma exposição de fotografias, "nenhum conjunto de práticas ou relações detém o monopólio do que é dito radical ou do que é dito normativo".

Não importa no que acredita, como pensa, de que lado está e como enxerga a si mesmo, o livro é capaz de surpreender qualquer leitor. Para usar um clichê (justamente o que Nelson detesta, mas vamos lá), "Argonautas" é para quem está disposto e aberto a enxergar e a ver beleza no que não cabe em uma caixinha.

Afinal, "o limite do guarda-chuva cede lugar à amplitude do espaço aberto".


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