Folha de S. Paulo


Em peça sobre a ganância, Denise Fraga mostra 'como somos ridículos'

Friedrich Dürrenmatt dizia que nada atrapalharia mais sua tragédia "A Visita da Velha Senhora" do que não ser levada como uma comédia.

Retrato da ganância e dos limites da moral, o espetáculo do dramaturgo suíço, montado pela primeira vez em 1956, em Zurique, busca no humor e na sátira um espelho da existência humana.

"É como eu se tivesse um grande espelho na mão –na minha cabeça ele é até meio enferrujadinho–, chegasse à beira do palco, o virasse para a plateia e falasse: 'Olha como somos ridículos'", compara Denise Fraga, que protagoniza nova montagem da peça, com estreia nesta sexta (18).

Denise é Claire Zachanassian, a tal velha senhora do título, ansiosamente aguardada na fictícia Güllen, cidadezinha onde ela cresceu e que hoje beira a falência. A única esperança do município é que a ricaça Claire ajude financeiramente o local.

Histriônica e excessiva (tem brilhos dourados e prateados até nas próteses da perna e do braço esquerdos, que perdeu em acidentes), Claire derrama dinheiro como troca de maridos. Tem todos a seus pés, mandando e desmandando a seu bel-prazer.

Ela decide ajudar Güllen, mas impõe uma condição: que matem Alfred Krank (Tuca Andrada), amor de juventude que a abandonou grávida, trocando-a por um casamento de interesse –expulsa da cidade, Claire foi resgatada de um prostíbulo pelo "velho Zachanassian", marido de quem herdou a fortuna.

"O mundo fez de mim uma puta, agora faço dele um puteiro", diz a personagem em sua fúria por vingança.

O pedido choca a cidade, avessa à selvageria. Mas aos poucos a ganância toma conta dos habitantes, que a mascaram de justiça –pelo sofrimento infligido a Claire.

"Ela se vinga da cidade inteira, da própria condição humana", afirma Denise.

SEM RECEITA

Apesar de seu experimento sociológico, Dürrenmatt se abstém de julgamentos. "Ele dizia: 'Eu só faço um diagnóstico, eu não dou o remédio'", comenta o cineasta Luiz Villaça, marido de Denise, que assina a direção da montagem.

Para o encenador, que retorna ao teatro depois de "A Descida do Monte Morgan" (2013), o dramaturgo suíço costura o texto como artesão. "Não tem uma palavra fora do lugar. Até os sobrenomes de Claire: Zachanassian é uma mistura de três milionários da época; Wäscher [seu nome de solteira, quando era pobre] significa lavadeira."

"Ele escreve musicalmente, dá importância aos tamanhos das frases", segue Denise.

Villaça e o estilista Ronaldo Fraga, que assina a direção de arte, buscaram a mesma precisão seca no cenário. Formado de estruturas modulares, que criam os edifícios da cidadezinha, o palco lembra os vagões de trens que passam por Güllen (uma das poucas distrações de moradores).

Ali também ficam os atores, mesmo quando estão fora de cena, trocando de figurino nas araras sobre o cenário modular. "É como se eles fossem mais focos de luzes na própria cena", afirma Villaça.

SEQUÊNCIA

De certo modo, diz Denise, "A Visita da Velha Senhora" é uma continuação sua de "A Alma Boa de Setsuan" e "Galileu, Galilei", peças de Bertolt Brecht que ela estreou em 2010 e 2015, respectivamente.

"É quase uma trilogia", brinca a atriz, que vê uma semelhança nos temas das peças e na forma de abordá-los.

Em "Alma Boa", o protagonista se questiona como ser bondoso num mundo extremamente competitivo. "Galileu" discute como manter nossos ideais diante de um poder político e econômico.

"E 'A Visita' é uma fábula sobre aquilo de que somos capazes quando a questão é dinheiro, até onde a gente se finge de morto", diz ela.

Sua Claire é uma adorável vilã: maligna, mas incrivelmente sedutora. "Ela é a encarnação mítica do poder econômico, quase uma entidade do capital. E o dinheiro é muito sedutor", afirma a atriz. "É o ciclo vicioso de uma sociedade calcada pelo dinheiro, que cria monstros capazes de fazer atrocidades."

É também uma situação que ecoa muito os dias de hoje, marcados pela polarização de ideais, comenta Villaça. "Estamos falando de ética, de até onde nós podemos ir."

Para Denise, habituada a trabalhos em comédia e "com o ouvido apurado" para as reações da plateia, a concordância é sentida nas gargalhadas do público. "É a risada 'pior que é', de reconhecimento da nossa falência, do 'somos ridículos'. O cara ri e fala: 'Pior que é [assim mesmo]'."

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A VISITA DA VELHA SENHORA
QUANDO qui. a dom., às 20h; até 26/11
ONDE Teatro Sesi-SP, av. Paulista, 1.313, tel. (11) 3146-7439
QUANTO grátis (reservas pelo site sesisp.org.br/meu-sesi )
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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