Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Personagem cativante, 'Maestro' não se livra de molde repetitivo

JOÃO, O MAESTRO (regular)
DIREÇÃO Mauro Lima
ELENCO Alexandre Nero, Rodrigo Pandolfo, Alinne Moraes
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 14 anos
Veja salas e horários de exibição

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Como condensar o período de uma vida nas duas horas, em geral, de duração de um longa? Que critérios adotar para incluir certas peripécias e deixar outras de fora, para enfatizar o que revela a natureza do personagem, que distingue ou macula sua imagem?

"João, o Maestro", como outros tantos esforços de filmar biografias, transmite, na superfície, um conjunto de qualidades. Seus problemas, contudo, são os mesmos que as cinebiografias repetem há décadas.

A primeira e maior qualidade do longa é seu personagem cativante, o pianista e maestro João Carlos Martins, figura recoberta pelo ideal de nobreza que se costuma associar à música clássica.

A trajetória sinuosa do artista, da infância adoentada à adolescência disciplinada e, mais tarde, à maturidade cheia de obstáculos e conquistas, oferece material para uma jornada heroica e admirável.

A abundância do orçamento também resplandece na tela na forma da direção de arte, atenta desde o modelo do sutiã da professora de piano do menino João ao tipo de taxímetro da Montevidéu de outrora.

O detalhismo histórico complementa-se com locações no exterior, valores de produção para conferir autenticidade mas também para levar o público a reconhecer que o cinema brasileiro não se resume a ostentar miséria, feiura e violência.

O conjunto dessas representações tem por função menos reconstituir a saga de Martins que mostrar um Brasil que nossos cineastas são acusados de ignorar –um país com classe.

A ideia de história verdadeira é outro fator narrativo que seduz plateias, fascinadas pela ilusão de que tudo aquilo ainda conta com o peso do "real". Mas, se tirarmos Alexandre Nero de cena e colocarmos Babu Santana ou Selton Mello no lugar, estaremos assistindo ao mesmo filme.

O diretor e roteirista Mauro Lima, que já assinou "Meu Nome Não é Johnny" (2008) e "Tim Maia" (2014), aplica o mesmo molde desses trabalhos e que as cinebiografias adotam há décadas para retratar os mais diversos tipos de personalidades.

Funciona? Sem dúvida, pois do contrário a fórmula não seria tão duradoura.

O problema, em geral, está em crer que vidas são feitas de fatos. O que João Carlos Martins fez para ser reconhecido, o que marcou mais sua trajetória de sucesso, quais seus percalços? Tudo isso está no filme, tanto como na Wikipédia e em joaocarlosmartins.com.br.

A ilusão biográfica, contudo, consiste na crença de que, ao reconstituir uma vida, não apagamos, ao mesmo tempo, a existência, o que a torna única e exemplar a outros. Nesse sentido, "João, o Maestro" repete uma falta recorrente do gênero, rouba a vida de alguém para fazer um filme morto.

Assista ao trailer de 'João, o Maestro'

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