Folha de S. Paulo


Filme mostra talento do maestro João Carlos Martins e ignora polêmica

Fernando Mucci/Divulgação
Alexandre Nero interpreta João Carlos Martins em 'João, o Maestro
Alexandre Nero interpreta João Carlos Martins em 'João, o Maestro'

Keith Emerson, tecladista da banda Emerson, Lake & Palmer, o reverencia: "Você é uma inspiração". O ex-vice-presidente americano Hubert Humphrey se derrete: "Você está possuído?". Nem o professor que se anuncia como carrasco sustenta a fleuma diante do prodígio do piano.

"João, o Maestro", cinebiografia sobre João Carlos Martins, estreia nesta quinta (17) sem exibir modéstia em relação ao personagem-título, retratado como um gênio obstinado que não parou nem quando acidentes limitaram o movimento de suas mãos.

Essa história de superação teria chegado até mesmo às mãos de Clint Eastwood, como o maestro mostra à reportagem, via uma carta enviada pelo pianista Dave Brubeck ao diretor americano. "O drama de sua vida daria um filme", escreve o missivista.

Clint não ficou com o projeto, que caiu no colo de Bruno Barreto, que por sua vez convidou Mauro Lima, de "Tim Maia" (2014). Para descrever os solavancos da trajetória de João, o diretor paulistano usa comparação que poderia agradar o colega californiano: "Parece um roteiro de filme sobre pugilismo, em que o destino é o antagonista."

Os percalços do destino são mesmo a única coisa que detém o pianista/maestro no filme. Vamos a eles: uma perfuração no braço que lesou um nervo durante uma partida de futebol, aos 25 anos. Trinta anos depois, veio o segundo, a sequela cerebral de um golpe na cabeça desferido por um assaltante na Bulgária, que comprometeu o movimento dos seus dedos.

Tudo, diz Martins, reproduzido com fidelidade -dos elogios rasgados a seu talento musical como pianista às agruras que o levaram a ser maestro. "Já a dramaturgia é levemente baseada", afirma o músico paulista de 77 anos. "Nunca fui um pai ausente, mas o filme precisava mostrar essa minha obstinação."

No papel do protagonista dividem-se Davi Campolongo, que o interpreta como uma criança prodígio, Rodrigo Pandolfo, que vive João em sua juventude, e Alexandre Nero, que o faz na maturidade, já um nome consagrado.

MULHERES E POLÊMICAS

Lima precisava de um argumento para justificar um dos arcos da trama: como João passou de uma criança retraída, a quem o piano era fuga do bullying que sofria escola, para o músico que era "centralizador de atenções".

Qual foi a solução? Mulheres, responde o diretor. "Acho que há um impulso sexual por trás desse lado compulsivo", diz ele, que recorreu ao biógrafo Ricardo Carvalho, autor do livro "Maestro!: Uma Biografia", para pincelar os detalhes mais apimentados.

Daí brotaram episódios como o do bordel uruguaio em que o protagonista perdeu a virgindade (o maestro corrige: "Foi em Cartagena") e sua fuga pela janela da casa de um marido traído -seu fraco por um rabo de saia soa como única "falha de caráter".

Em determinada cena, depois que João já extasiou o pai, namoradas, parentes, vizinhos e o público de vários países com seu virtuosismo nas teclas, são apresentadas suas conquistas como empresário: trouxe ao Brasil shows de Alice Cooper, Genesis e ajudou Eder Jofre a recuperar seu título mundial no boxe.

O longa não menciona o caso Paubrasil, esquema que arrecadou ilegalmente US$ 19 milhões para as campanhas eleitorais de Paulo Maluf no início dos anos 1990. O escândalo, revelado pela Folha, era operado por uma empresa que pertencia ao músico. João disse que não tinha conhecimento das fraudes.

"Isso tudo iria abrir um parênteses enorme", responde Lima, sobre não abordar o caso no longa. "Seria leviano tratar daquilo brevemente."

Maestro! - Uma Biografia
Ricardo Carvalho
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O músico diz não ter dado muitos palpites na obra, salvo supervisionar a sincronização entre a música tocada e o uso da teclas pelos atores.

Mas se envolveu numa saia justa com o Marcelo Serrado, convidado por ele antes de Alexandre Nero ser escalado.

"Só que o projeto mudou depois do convite, e Mauro não abria mão da escolha dos atores. Chamou Nero", explica João. À época, Serrado se queixou à revista "Veja Rio". Disse que foi um "megadesrespeito" e "uma total falta de cuidado com as pessoas".


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