Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Wajda se despede em grande estilo com 'Afterimage', sobre pintor

Divulgação
Boguslaw Linda em 'Afterimage', no papel do artista vanguardista Wladyslaw Strzeminski
Boguslaw Linda em 'Afterimage', no papel do artista vanguardista Wladyslaw Strzeminski

AFTERIMAGE (ótimo)
(Powidoki)
DIREÇÃO Andrzej Wajda
ELENCO Boguslaw Linda, Aleksandra Justa, Bronislawa Zamachowska
PRODUÇÃO Polônia, 2016, 12 anos
Veja salas e horários de exibição

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Na Escola de Belas Artes de Lodz, na Polônia, tudo corre tranquilamente, com o ministro da Cultura informando aos estudantes e professores como deve ser a arte, a quem deve servir etc.

Eis que um professor levanta-se e pergunta: "Mas o que é arte?". Quem levanta a questão é Wladyslaw Strzeminski, ex-companheiro de Kazimir Malevich e outros na invenção da pintura moderna, tido como o maior artista polonês do século passado.

É da vida e das ideias sobre arte de Strzeminski (1893-1952) que trata "Afterimage", último e formidável filme de Andrzej Wajda (1926-2016).

Essas ideias ligam-se diretamente às ideias políticas. Strzeminski não abre mão da liberdade. Formalista, recusa-se a seguir os cânones desse trambolho chamado realismo socialista. Estamos num regime stalinista e na Guerra Fria: a perseguição implacável ao pintor atingirá obras, família, alunos ou quem por acaso passar perto dele.

Em "Afterimage" estamos, primeiro, diante de uma reflexão sobre a imagem: o que significa, como se forma, aonde nos leva, que lugar ocupa na vida social. Andrzej Wajda serve-se do pensamento do pintor para discorrer, ele próprio, sobre o papel da arte.

Ao mesmo tempo, trata-se de dar sequência ao acerto de contas com os comunistas que Wajda desenvolve desde a queda do regime em seu país (1989). Não se trata de rancor, mas de um gesto de conhecimento. O caso Strzeminski é um perfeito exemplo do apodrecimento precoce do regime.

Não por acaso, o primeiro embate do pintor se dá sob a obra suprema (e a rigor única) dessa corrente estética: um gigantesco retrato de Josef Stálin pendurado bem diante de seu apartamento.

É uma cena em que a maestria de Wajda surge por inteiro. Ele mostra Strzeminski abrindo um rasgo na moldura vermelha do retrato. Daí por diante não terá mais sossego. Eis, em resumo, a questão estético-política do filme.

Desde que nos deparamos com o título do filme existe um incômodo. Por que "Afterimage"? Por causa da covardia dos distribuidores, que se envergonham quando os jornalistas se queixam de títulos inconvenientes? Provável.

Adota-se o título original, seja quando ridículo ("Dunkirk"), seja quando apenas incompreensível. É o caso aqui (não, é ridículo também: "Afterimage" é o título inglês de um filme polonês...).

De todo modo, a ideia contida na expressão significa imagem residual, ou restante. No dizer do pintor, a imagem gravada no olho do artista depois que ele fixou um objeto. Essa será a sua verdade, diz Strzeminski na luminosa introdução do filme.

Tudo o que vem depois será, ao contrário, dominado pelos interiores tristes que são a imagem restante em Wajda da vida polonesa sob o poder soviético desde pelo menos "Cinzas e Diamantes" (1958).

"Afterimage" é a reiteração desse doloroso pesadelo. Reiteração inteligente. Por exemplo, Wajda não precisa fantasiar os comunistas de monstros para nos fazer crer na perversidade do sistema (sob a égide de Stálin, no caso).

Para resumir, uma despedida em grande estilo depois do fracassado "Walesa" (2013).

Assista ao trailer de 'Afterimage'

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