Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Crianças deveriam aprender sobre arquitetura na escola

Filipe Redondo
Edifício Washington, na região central, que integra a seleção do livro 'São Paulo nas Alturas
Edifício Washington, na região central, que integra a seleção do livro 'São Paulo nas Alturas'

Como incorporador, apaixonado por arquitetura e não sendo arquiteto, sempre fiquei intrigado sobre por que a presença de bons projetos no mercado imobiliário se tornou tão rarefeita após a década de 1960. Muitos dos melhores edifícios da capital paulista foram construídos durante apenas uma década, entre os anos 1950 e 1960.

"São Paulo nas Alturas" responde à maior parte das minhas perguntas. Não vou aqui plagiar o excelente trabalho, mas recomendar àqueles com a mesma inquietude que leiam o livro e achem lá as respostas, mas vou dar algumas pistas que vêm dele:

Arquitetos estrangeiros fugindo da guerra vieram para São Paulo trazendo uma enorme bagagem cultural; incorporadores com alto nível cultural e arquitetos se aventuraram a lançar ótimos projetos pelo sistema de preço de custo, novidade de financiamento da época que diminuía o risco do empreendedor.

O ambiente após a guerra era de efervescência cultural, e a classe média paulistana, ansiosa por novidades, abraçava a arquitetura moderna.

E o que aconteceu depois de 1960?

A cidade cresceu num ritmo assustador: a população de 2,2 milhões em 1950 chega até quase 6 milhões em 1970. Ninguém cresce assim impunemente, e a cidade se tornaria aquela que conhecemos hoje: gigante e caótica.

Com a inflação aumentando a partir de 1954 (24% ao ano), o sistema de financiamento a preço de custo entraria em colapso, e muitos incorporadores quebrariam, arrastando junto os ótimos escritórios de arquitetura que trabalhavam para eles.

Esses mesmos arquitetos, que outrora eram protagonistas, voltam ao mercado após os anos 1960 como coadjuvantes, não mais projetando prédios para os incorporadores, mas agora para o poder público, que constrói numa quantidade muito menor que a do mercado imobiliário.

Mas como melhorar as coisas daqui pra frente?

Teremos novamente um ciclo de bons projetos como esse que vimos entre 1950 e 1960? Os incorporadores vão mudar a sua atitude e voltar a lançar projetos que serão admirados nas décadas seguintes? O poder público incentivará o mercado imobiliário a produzir prédios com os ótimos projetos daqueles anos dourados?

Para mim a resposta é clara: são os consumidores que podem mudar o cenário atual, e não os incorporadores ou o poder público.

As empresas vão produzir aquilo que as pessoas quiserem consumir. Com mais educação, a exigência por uma melhor arquitetura vai ser cada vez maior. Às vezes é difícil diferenciar o medíocre do bom, mas o tempo vai mostrar como um edifício com boa arquitetura envelhece com dignidade e mantém o seu valor, não só para o proprietário, mas para a cidade.

São Paulo Nas Alturas
Raul Juste Lores
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Outra coisa, contudo, poderia melhorar muito o cenário no médio e longo prazo: ensinar os conceitos básicos de arquitetura e urbanismo nas escolas. Mostrar às crianças as referências de bons projetos de edifícios, de bairros e cidades bem planejados.

Essas crianças se tornarão os consumidores, incorporadores e integrantes do poder público no futuro, e talvez seja mais importante para elas entender como se deve viver em uma grande metrópole do que entender a tabela periódica na aula de química.

OTAVIO ZARVOS, sócio-fundador da Idea!Zarvos, tem 50 anos e é administrador de empresas.


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