Folha de S. Paulo


Crítica

'Corpo Elétrico' cria retrato inédito e faiscante do proletariado gay

Corpo Elétrico

CORPO ELÉTRICO (muito bom)
DIREÇÃO Marcelo Caetano
ELENCO Kelner Macêdo, Lucas Andrade, Welket Bungué
PRODUÇÃO Brasil, 2017, 16 anos
Veja salas e horários de exibição.

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Não é um acaso que o rapaz no centro da trama de "Corpo Elétrico" trabalhe numa fábrica de roupas –as horas mortas ali contrastam com os momentos vivos em que seu corpo despido se enrosca nos de outros homens.

Lembrando o "jogo de músculos masculinos através das calças justas", nos versos de Walt Whitman que inspiraram o filme, Marcelo Caetano atualiza o olhar do americano que erotizou os corpos de operários no século 19 em seu país para os subterrâneos de uma São Paulo da atualidade.

Nesse ponto, seu filme ilumina ao mesmo tempo uma questão de pele e uma questão de classe. É a pele de homens reais –longe de corpos esculpidos nas academias– que extraem das engrenagens de uma cidade brutal as forças que movem seus desejos, da fábrica de ruído ensurdecedor aos orgasmos na cama.

O real, aliás, é a grande força desse filme. Seus enquadramentos naturalistas, planos quase arrastados, luzes frias e ambientes prosaicos desvendam uma São Paulo que não aparece no cinema –a metrópole das confecções clandestinas, dos inferninhos da Bento Freitas e do Arouche, da vida homossexual –longe do glamour– de transexuais e travestis.

Divulgação
Créditos: Divulgação Legenda: Kelner Macedo em cena de 'Corpo Elétrico'. PARA USO EXCLUSIVO DA ILUSTRADA ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Kelner Macêdo como o protagonista Elias em cena de 'Corpo Elétrico', do mineiro Marcelo Caetano

Mas é também no retrato desse proletariado gay que Caetano esbarra na maior fraqueza da trama. Há momentos em que a amizade entre os operários da fábrica soa artificial, como se todos –jovens e velhos, homens e mulheres, gays e héteros– estivessem unidos contra o patrão e, portanto, cegos às diferenças que os separam.

Falta conflito e sobra ingenuidade nessa luta de classes, mas isso não diminui a beleza extraordinária de "Corpo Elétrico". Num filme urgente, em tempos de nervos que são fios desencapados, Caetano revela com rigor e doçura a força das bichas pretas e pobres que fazem tremer a cidade.


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