Folha de S. Paulo


Análise

Sexo como política amplia discurso queer no filme 'Corpo Elétrico'

Corpo Elétrico

Esqueça o suspense do beijo gay, a expectativa do final feliz ou mesmo o "sair do armário", comum a tantos filmes LGBT pós anos 1990. "Corpo Elétrico", de Marcelo Caetano, vai além ao subverter essa equação.

O roteiro, escrito com Gabriel Domingues e Hilton Lacerda, dá o recado queer: a expressão libertária do desejo é resistência frente às intolerâncias sociais.

Mulheres, negras, bichas, periféricas, afeminadas, operárias, trans, as personagens transitam por uma São Paulo menos hypada, do trabalho na fábrica de roupas no Bom Retiro às festas na periferia após o expediente.

A trama mira Elias (Kelner Macêdo), jovem gay paraibano. A cada transa, um universo se expande. Firmado no presente, Elias é movido pelo desejo aqui e agora.

Em uma cena, indagado pelo chefe, ele diz não conseguir se projetar daqui a cinco anos. Nada mais emblemático. Não se trata de "geração perdida", mas de olhar para além do que seria "edificante". Daí o engajamento é explícito: ser você mesmo já é revolucionário.

A narrativa faz jus ao discurso libertário: não há fetichização dos corpos nem do sexo, não há encadeamento romântico das cenas, não há o clichê do "grande sonho" das personagens.

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Créditos: Divulgação Legenda: Kelner Macedo em cena de 'Corpo Elétrico'. PARA USO EXCLUSIVO DA ILUSTRADA ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Kelner Macêdo como o protagonista Elias em cena de 'Corpo Elétrico', do mineiro Marcelo Caetano

Os corpos filmados, dos mais diversos, surgem como resistência. Ser gay, negra, pobre, numa São Paulo que se diz inclusiva, mas espanca mulheres e transexuais todo dia, não é fácil. Ser bicha é também poder resistir.

Ancorado no recorte socioeconômico, o filme traz a representatividade de gênero em perspectiva periférica.

Nem tudo é diversão na sociedade conservadora e homofóbica. Nisso, "Corpo Elétrico" faz voo breve na melancolia das personagens. Aposta nos encontros –afetivos, sexuais– como possibilidade de sublevação e, por que não, militância.

Firma então o corpo coletivo e a sexualidade expandida como política de contravenção às opressões.

RODRIGO GERACE é sociólogo, autor de "Cinema Explícito: Representações Cinematográficas do Sexo" (Ed. Perspectiva, Sesc SP, 2016).


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